Del Islamismo a la Colonización del Oriente Medio: los Orígenes Históricos de los Conflictos y las Guerras
Do Islamismo à Colonização do Oriente Médio: as origens históricas dos conflitos e das guerras
Mamadou Alpha Diallo1
Fecha de recepción: 09/07/2021
Fecha de aceptación: 22/02/2022
RESUMO
Este artigo analisa historicamente Oriente Médio, partindo da hipótese de que para os conflitos e guerras da região, tem origem no passado, que vai desde surgimento do islamismo, passa pela colonização e culmina nas independências nacionais. Mostrou-se que, através da contextualização histórica do surgimento do islã, é falso buscar justificar os conflitos entre Oriente e Ocidente a partir de uma ótica de rivalidade entre Cristianismo/Judaísmo e Islã. Considerando o orientalismo como objeto de crítica teórica conceitual deste artigo, conclui-se que a apreensão dos atuais conflitos e guerras passa por estes processos históricos, especificamente pela colonização e descolonização que são processos em curso, apesar do seu fim formal.
Palavras Chaves: Guerra, Oriente Médio, Ocidente, Islamismo; Colonização.
RESUMEN
Este artículo analiza históricamente el Medio Oriente, partiendo de la hipótesis de que los conflictos y guerras de la región tienen su origen en el pasado, desde el surgimiento del islam, pasando por la colonización y culminando con la independencia nacional. Se demostró que a través de la contextualización histórica del ascenso del islam es falso buscar justificar los conflictos entre Oriente y Occidente desde una perspectiva de rivalidad entre cristianismo, judaísmo e islam. Considerando el orientalismo como base teórica, se concluye que la aprehensión de los conflictos y guerras actuales pasa por estos procesos históricos, específicamente por la colonización y descolonización, que son procesos en curso a pesar de su fin formal.
Palabras clave: Guerras, Medio oriente, Occidente, Islamismo, Colonización.
Introdução
A análise dos conflitos e guerras do Oriente Médio2 tem sido tema recorrente de analistas e pesquisadores da Ciência Política e Relações Internacionais e, também, dos historiadores dos últimos tempos. Oriente Médio, se refere aqui a região onde Ásia, Europa e África se conectam e que foi marginalizada dos grandes processos de transformação durante mais de quatro séculos de dominação turca otomana, mas que emergiu como uma realidade geopolítica na passagem do século XIX ao XX (Visentini, 2014). A região do grande Oriente Médio abrange, abrange o “Machereck3 (ou oriente em árabe), o Magreb4 (ou ocidente, em árabe) que corresponde ao Norte da África, a Eurásia Central5 e o Afeganistão e Paquistão. Ou seja, é a região que Peter Frankopan, denominou coração do Mundo, pois, durante milênios, a região entre o Oriente e o Ocidente, ligando a Europa ao oceano Pacífico, foi a que constituiu o eixo em torno do qual girava o globo (Frankopan, 2019, p. 14).
Desde a independência da região no período da pós-Segunda Guerra Mundial, os países do Norte da África e da península Arábica enfrentaram e enfrentam ainda diversos conflitos e guerras cujo entendimento de causas e consequências tem sido uma preocupação constante de pesquisadores e analistas de diversas áreas. No entanto, neste início do século XXI, a busca por entendimento e explicação das principais causas dos conflitos do Oriente Médio, tem deixado de lado elementos históricos importantes, seja por comodidade ou mesmo por necessidade de delimitação dos períodos analisados. Essa situação tem criado incongruências na compreensão real dos conflitos e, certamente, tem dificultado o enfrentamento dos mesmos.
Parte-se da hipótese de que o entendimento dos conflitos e guerras naquela região passa pela compreensão da construção de unidade política, ou seja, entender do ponto de vista das relações internacionais, a importância e o papel dos processos históricos que vão desde o surgimento e expansão do islamismo, passa pela colonização ocidental da região e culmina nas independências nacionais conquistadas depois da Segunda Guerra Mundial. Esta análise de “longa duração” rompe com às tendências de buscar as causas dos conflitos e guerras da região de um lado, na fase ocidental de colonização e do outro, descartar a ideias buscam explicar os conflitos a partir da falta de “democracia” no mundo muçulmano.
Para isso, é preciso entender a expansão do islamismo e, principalmente, a memória das Guerras Santas (Mohamad, 1989; Cliff, 2012; Crowley, 2009) e da história do Jihad como guerra (Jalal, 2009). Em outras palavras, isto significa olhar com cautela o passado para melhor compreender o presente e prever o futuro dos conflitos e das guerras no Oriente Médio Propomos fazer a interpretação a partir da noção de Guerra Total de David A. Bell, que, ao analisar as Guerras Napoleônicas no século XIX , chega à conclusão de que associar o fim da guerra ao fim da história, querendo com isso denotar o fim dos conflitos em torno da forma apropriada de sociedade é um grande erro (Bell, 2012, p. 14). O fim da Guerra Fria é uma ilustração desta afirmação de Bell, pois, foi seguida de uma intensificação do conflito e do perigo na Guerra do Golfo, nos Balcãs, além da ruptura histórica iniciado em 11 de Setembro de 2001. Segundo Seitenfus (2013), os atentados terroristas de onze de setembro de 2001, enterraram as esperanças de um mundo pacificado ou a ilusão do fim da história. Para os países do mundo árabe-islâmicos, desde então vive-se em um caos do ponto de vista securitária, social e política permanente, pois, além das instabilidades geradas pela guerra global ao terror, tais países enfrentam o radicalismo islâmico, que a dita primavera árabe de 2011 ajudou a espalhar tanto na península Arábica quanto no continente africano.
Neste sentido, considera-se neste trabalho, olhar o Oriente Médio contemporâneo e seus conflitos e guerras levando em consideração o passado constituído pela rivalidade Oriente-Ocidente. Este passado de rivalidade Oriente-Ocidente iniciada primeiro, na era do domino islâmico (século XII ao século XV) e segundo, na era dos impérios coloniais ocidentais (século XV ao século XX). Apesar do início das Relações internacionais contemporâneas6 ser atrelado a criação do Estado Westfaliano simbolicamente estabelecido no fim da guerra dos trinta anos (1618-1648), buscar às raízes dos conflitos da região do oriente médio, somente na expansão e colonização ocidental, constitui igualmente um erro analítico.
Deste modo, utilizando-se como metodologia, o texto parte da descrição do contexto do surgimento do islamismo, como base na construção crítica do antagonismo Ocidente (cristão) e Oriente que Edward Said (2007) denominou orientalismo. Em seguida, analisa-se sucessivamente a colonização da região marginalizada dos grandes processos de transformação durante mais de quatro séculos de dominação turca otomana, onde Ásia, Europa e África se conectaram (Visentini, 2014).
Neste espaço, analisa-se a emergência de uma realidade geopolítica na passagem do século XIX ao XX, pela descolonização e a construção do Estado-nação. A realidade geopolítica da região conhecida como “o grande Oriente Médio” abrange o Oriente, o norte da África, a península Arábica, a Eurásia Central, o Afeganistão e o Paquistão. As principais guerras e conflitos que a região enfrenta desde do século XX tem algumas das suas causas enraizadas na conquista e ocupação da região, primeiro pelos muçulmanos (império Turco Otomano), depois pelos europeus e no embate entre os dois.
O Oriente Médio e o Surgimento do Islã
Segundo Abdalati (2008), a palavra Islã (ou Islam) deriva da raiz árabe “Salama” que significa paz, pureza, submissão, obediência. No sentido religioso, a palavra significa “submissão voluntaria à-vontade de Deus e obediência à Sua lei. A Fé em Deus e o conhecimento da Sua existência são os próprios fundamentos do Islã. Tais fundamentos são entre outros, a crença num Deus Único, Supremo, Infinito e Poderoso, Clemente e Misericordioso, criador e. Sustentador. A crença em todos os mensageiros de Deus sem nenhuma discriminação entre eles bem como a crença em todas as escrituras e revelações de Deus (livros Sagrados/revelados) conforme mencionado no Alcorão7,nos anjos e no dia do Juízo final.
Assim, é importante ressaltar que os muçulmanos creem que Maomé8 foi o último e não o único profeta, que reforçou e completou a mensagem9 de Deus à humanidade. Ou seja, foi o profeta que selou a profecia e o Alcorão é a última Escritura Sagrada que lhe foi revelada. A religião é baseada na revelação trazida pelos profetas, que é baseada na unicidade de Deus (Tawhid).
Segundo Black (2011), Maomé era um profeta que, embora influenciado pelos costumes tribais árabes, judaísmo e cristianismo, rebelou-se contra eles e reformulou seus padrões na fornalha de sua própria revelação. Na opinião deste autor, baseado em uma nova religião e novas ideias que combinavam fé e força de forma única, exércitos árabes destruíram a Pérsia e desmembraram Roma oriental entre 635 e 656.
Na véspera do surgimento do Islã, as terras assentadas no Oriente Médio eram governadas por dois estados concorrentes: o Romano-Bizantino no Ocidente e o Império Sassânida no Leste (Irã atual). Os cultos locais e regionais, embora ainda existissem, haviam sido amplamente subsumidos pelas religiões oficiais dos impérios bizantino e sassânida dominantes. Assim, o processo de consolidação imperial levou também à consolidação religiosa e ao surgimento do monoteísmo, a crença na supremacia de um deus. Na época das conquistas árabe-islâmicas, a maioria dos habitantes do Oriente Médio pertencia a uma das três religiões monoteístas10 (Cleveland, 2009). Além deste legado religioso, os muçulmanos se beneficiaram da rivalidade imperial entre os bizantinos e sassânida iniciada em 540, levando ao surgimento de uma guerra aberta que continuou quase ininterrupta até 629.
No final do século VI e início do século VII, Bizâncio se viu não somente desafiado, mas, enfraquecido militar, religiosa e administrativamente pelo seu rival Sassânida. As divisões religiosas criaram tensões adicionais entre o Estado bizantino e seus súditos e o império tinha adotado o cristianismo ortodoxo dos gregos para buscar apoio da Igreja no final do século IV, enquanto o povo continuava aderindo a outra forma de Cristianismo e de Judaísmo e usando seus idiomas locais na pregação (Amineh, 2007; Cleveland, 2009). Foi nesse contexto de crise sociocultural marcada pela ausência de uma afiliação religiosa unificadora, que surgiu o islã, beneficiando-se dos legados bizantino e sassânida, do ponto de vista do desenvolvimento do sistema operacional de governo e da doutrina religiosa, como mostra Cleveland:
A formação do reino do islã seria influenciada pelo legado grego de Bizâncio, pela tradição burocrática do Irã Sassânida, e pelos conceitos de imperador que se desenvolveram nos tribunais de Constantinopla e Ctesiphon. O Islã deve ser entendido como um produto das sociedades em que se espalham bem como da sociedade em que se originou (Cleveland, 2009, p. 29). Percebe-se, que até cerca de 1050 a Europa cristã, o islamismo e o mundo bizantino tinham mais em comum do que geralmente se pensa; e, em segundo lugar, que o que os diferenciou decisivamente foi a revolução papal do final do século XI seguida pelo renascimento da Europa no século XII. Portanto, desde surgimento, o Islã é bem próximo da dita civilização ocidental, e se beneficia dos erros e acertos das civilizações e religiões anteriores (Cristianismo, Judaísmo, magismo e outras).
Apesar de estarem presentes na península Arábica antes do islã, nenhuma delas trouxe qualquer reforma na sociedade árabe11 (Mohamad, 1989, p. 17). Isso indica, antes de tudo, uma justificativa moral e social para o surgimento da nova fé, partindo dos erros dos governos e das ideologias anteriores. Além desta justificativa, ressalta-se que as rivalidades entre os impérios e as instabilidades sociais e políticas levaram ao surgimento de novos grupos prestes a dominar a região, controlar o comércio e expandir uma nova ideologia. Assim, não se pode, pelo menos do ponto de vista das relações internacionais, ignorar esta contextualização histórica e a importância geopolítica da península Arábica como berço das três religiões reveladas (Judaísmo, Cristianismo e Islã).
Igualmente, não há como não relacionar as crises dos Impérios Bizantinos, Romano e sassânida com o surgimento e a expansão do islã. A primeira consequência do enfraquecimento dos antigos impérios e o surgimento do Império Muçulmano foi o deslocamento dos eixos comerciais em direção ao Mediterrâneo e a transformação das cidades de Meca e Medina em importantes centros urbanos e comerciais. Nesse contexto, o islamismo veio como alternativa moral (no lugar do cristianismo), política e social (lutar contra as barbáries e a injustiça social). Igualmente, não pode deixar de frisar a ideia de complementaridade entre o islã e o cristianismo, já que do ponto de vista histórico e ideológico são duas religiões com a mesma herança e do mesmo ancestral: Abraham. Esta contextualização histórica é importante para se entender a natureza política e geopolítica e, não ideológica dos atuais conflitos entre Oriente e Ocidente ou culturais “(islamismo versus catolicismo)”, tidas como antagonistas na contemporaneidade.
Estas supostas rivalidades culturais não se sustentam, apesar de isso parecer verdadeiro na ótica dos meios de comunicação e nas justificativas políticas das guerras e dos conflitos do século XXI. Com base em obras como “Choque de Civilizações” de Samuel Huntington (1997), se construiu e se justificou projetos políticos imperialistas do Ocidente em direção ao Oriente (Guerra justa, Guerra ao terror) e radicalismo islâmico. Este antagonismo entre Ocidente, Oriente e entre o islã e o cristianismo é uma construção que permite justificar projetos políticos de grupos de elites tanto do Ocidente quanto do Oriente. Como, por exemplo, os atuais dirigentes do Estado Islâmico (ou Daesh)12.
As bases desta organização foram lançadas por Abou Moussab al Zarqaoui, criador da “Al Qaeda na terra de dois rios (Iraque)”, invadiu a Síria gradualmente desde o início de 2012 (Chaliand & Blin, 2015). Conforme estes autores, primeiro, foi constituído em 2006, o Estado Islâmico do Iraque sobre a liderança de um certo Abu Umar. Na morte deste último em 2010, al Bagdadi é designada líder do grupo e, depois da saída das tropas americanas no Iraque em 2011 se refugia na Síria onde depende de Al Qaeda, mas se torna cada vez mais autônomo. Síria se torna uma base estratégica recuada do grupo, que beneficia ao mesmo tempo do caos nacional sírio e das porosidades da fronteira turca para organizar suas tropas, melhorar sua logística e recrutar combatentes (Chaliand & Blin, 2015, p. 17). Em 2012, o grupo atacou a prisão de Abu Grahib (Iraque) libertou presos e controlou Raqqa e Deir-ez-Zor, duas cidades importantes do país.
Assim, uma leitura do livro sagrado dos muçulmanos - o Alcorão13 assim como a história do islã, comprova que há um reconhecimento e respeito do cristianismo e seus profetas (todos são considerados profetas do islamismo), como atesta parte dos versículos14 do Alcorão dedicado a personagens da Bíblia, tais como Jonas, José, Abraham, Maria, Noé. Portanto, ao analisar os conflitos e guerras é importante buscar outros elementos explicativos, além dos antagonismos cultural e ideológico tão usada por muçulmanos15 e não muçulmanos. Em vez disso, sugere-se, do ponto de vista das relações internacionais, buscar a origem e as causas dos conflitos e guerras do Oriente Médio na estrutura do sistema internacional e da ordem internacional emergidos a partir da dinâmica de competição e choques mútuos entre os Estados que se anulam mutuamente ao perseguirem seus interesses nacionais (Pecequilo, 2012). A ordem interna no Oriente Médio segue a mesma lógica desta ordem internacional e surge de uma dinâmica de competição interna e externa.
Afinal, como explicar essa já consolidada construção de rivalidades entre Oriente e Ocidente, Islamismo e Cristianismo? Sustenta-se que a construção desta rivalidade começa com os processos coloniais e o expansionismo ocidental, que inicia com a construção cientifica do conceito do Orientalismo (Said, 2007) e prossegue com a construção do Estado-nação no Oriente Médio.
Colonização e Descolonização
O que é a colonização? Segundo Cesaire (1971), a colonização não é evangelização, tampouco empreendimento filantrópico, ou vontade de fazer recuar as fronteiras da ignorância, da doença e da tirania, mas também, não se trata da expansão do nome de Deus, nem dos Direitos. Em suma, Cesaire mostra que, a colonização não é uma obra filantrópica, muito menos uma ação de combate a ignorância, as doenças ou expansão em nome de Deus. A colonização é exatamente o contrário do que seus mentores afirmam ser e suas justificativas são invenções no intuito de dominar o resto do mundo. Segundo Marc Ferro (1997, p. 7) a colonização está associada à ocupação de uma terra estrangeira, ao seu cultivo, ao assentamento de colonos e é um fenomenos indissociavel do imperialismo. Na opinião de Ferro, várias situações tipicas surgiram da dominação dos colonizadores e algumas das suas caracteristicas sobreviveram mesmo após a descolinização: a colonização do tipo antigo que é de natureza expansionistas manifestando-se numa fase de livre concorrência no desenvolvimento capitalista. A colonização do novo tipo, ligada à Revolução Industrial e ao capitalismo financeiro e o imperialismo sem colonização (Ferro, 1997, p. 29). A prática deste imperialismo sem bandeira sobreviveu aos movimentos de independência da segunda metade do século XX, limitando a “descolonização” dando origem ao neocolonialismo que tem como essência o fato do Estado a que ele está sujeito é, teoricamente, independente e tem todos os adornos exteriores da soberania internacional (Diallo, 2020, p. 72). Assiste-se nos paises em que reina o neocolonialismo16, a substituição de uma autoridades política por outra, enquanto se mantemtodos os tipos de vículos economicos e a perpetuação da antiga dependencia de outra forma, em benefício conjunto das metrópoles e das novas classes médias locais.
Com o mesmo intuito, os colonizadores inventaram o “Oriente” a fim de dominá-lo como bem mostra Edward Said (2007), em sua obra intitulada Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. Edward Said (2007), define o Orientalismo como fenômeno ideológico-cultural que impulsiona um pensamento assentado numa distinção ontológica entre o Oriente e o Ocidente ; aquele compreendido como o espaço da cultura islâmica, expressa nas línguas árabe, persa e turca. Geograficamente, o espaço corresponde, grosso modo, ao Próximo Oriente e Norte de África. Ou seja, o Oriente Médio corresponde a uma região diferente da Europa, culturalmente dominada pelo imperio muçulmano, que se estende da penininsula Arabica, passando pela península Iberica até aos os Balcãs.
Trata-se de uma invenção do Ocidente, e uma criação discursiva da Europa, com o objetivo de (re) afirmar: a) sua superioridade frente às regiões designadas como orientais tidas como atrasadas e deslocadas no tempo e espaço; b) a identidade homogênea das populações européias, diversa da dos povos não-europeus; c) a necessidade de definição de um determinado lugar através do reconhecimento da alteridade, isto é, do Oriente (Said, 2007)17.
Do ponto de vista das relações internacionais, o debate sobre o orientalismo é cada vez mais rico e animado, porque o Oriente Médio, os árabes e o Islã continuam levantando mudanças, conflitos, controvérsias e guerras (Said, 2007, p. 12). Isto significa que o orientalismo como conceito é mais que a expressão de uma fronteira cultural do que uma delimitação geográfica.
O intuito é buscar criar uma linha divisória entre civilizados, detentores de dever e direito, de levar a fé e a civilização, para os “bárbaros”, considerados inferiores, que têm o dever de se submeter, obedecer e seguir os mandamentos dos mestres civilizados, ou seja, colonizar. Deste modo, a criação do conceito do orientalismo, não se resume apenas a uma região adjacente à Europa, mas também, o lugar das maiores, mais ricas e mais antigas colônias europeias, a fonte de civilizações e línguas, seu rival cultural e uma de suas imagens mais profundas e mais recorrentes do Outro (Said, 2007, p. 28).
O Orientalismo é um pensamento que distingue “Oriente” e o “Ocidente” a partir dos seguintes elementos: (1), distinção básica entre Leste e Oeste como ponto de partida para teorias elaboradas, epopeias, romances, descrições sociais e relatos políticos a respeito do Oriente, seus povos, costumes, mentalidades destino e assim por diante (2). O terceiro significado do Orientalismo, cuja definição é mais histórica e material do que os dois anteriores é:
Tomando o final do século XVIII como ponto de partida aproximado, o Orientalismo pode ser discutido e analisado como a instituição autorizada a lidar com o Oriente-fazendo e corroborando afirmações a seu respeito, descrevendo-o, ensinando-o, colonizando-o, governando-o: em suma, o Orientalismo como um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente (Said, 2007, p. 29).
Nota-se a importância, o papel e a participação da ciência como instituição encarregada a pensar o Oriente a fim de permitir, através de discursos e saberes, a dominação, colonização e administração do Oriente pelo Ocidente, com o direito de reestruturar e reorganizar o Oriente para dominá-lo. Por conseguinte, a criação e sustentação do conceito de Oriente em oposição ao Ocidente fazem parte dos mecanismos de expansão ocidental. Ou seja, para justificar a superioridade cultural, política, socioeconômica do Ocidente sobre o Oriente, era necessária reinventá-lo, já que antes desta invenção, o centro da civilização e do poder mundial estava nas mãos dos árabes e muçulmanos que governavam o poderoso Império Turco Otomano.
Portanto, o orientalismo é uma estratégia, para a ocupação, dominação e colonização da região pelas potências ocidentais em ascensão. De acordo com Said:
Orientalismo deriva de uma intimidade particular experimentada entre a Grã-Bretanha, a França e o Oriente, no início do século XIX, significavam a Índia e as terras bíblicas. Do começo do século XIX até o fim da Segunda Guerra Mundial, a França e a Grã-Bretanha dominaram o Oriente e o Orientalismo, desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos dominaram o Oriente, abordando-o como a França e a Grã-Bretanha outrora o fizeram (Said, 2007, p. 30).
Destarte, muito cedo o Oriente foi meta do imperialismo. É neste jogo estratégico que Napoleão Bonaparte18, invadiu o Egito não somente para ocupar as terras dos Faraós, mas também cortar o caminho das Índias aos britânicos e sem as Índias, a Inglaterra não seria nada (Riou, 2005, p. 41). Naquele contexto de rivalidades europeias pelo controle do mundo, que se iniciou a colonização do Oriente, fase que coincide com o declino do Império Turco Otomano, dos árabes e muçulmanos.
Descolonização
No século XV, é conhecido pelos movimentos da expansão marítima ou grandes navegações, que, entre outras coisas buscavam atender as necessidades de encontrar caminho marítimo para Oriente depois da tomada de Constantinopla pelos turcos. Antes deste período, especificamente durante a Idade Média vale lembrar que enquanto a Europa Cristã era bastante atrasa[da], o Oriente Médio era prospero, enquanto a nobreza feudal vivia em castelos insalubres e desconfortáveis, as cidades do Cairo e de Bagdá já possuíam iluminação pública nas ruas (Visentini, 2014, p. 6). Segundo este autor, o Oriente Médio foi em primeiro lugar dominado e colonizado pelos turcos oriundos da Ásia Central, responsáveis pelo estabelecimento de uma dominação feudal-militar que empobreceu a região, à medida que as grandes rotas comerciais foram desviadas para os oceanos pelos impérios mercantilistas europeus.
Esse desvio de rotas comerciais resultou no abandono das vias terrestres que ligavam o Oriente ao Ocidente, como a famosa Rota da Seda19. Esse desvio de rotas terrestres foi favorecido pela expansão do Ocidente, que levou à descoberta e colonização de regiões até então desconhecidas como as Américas, a Índia e da Ásia Central. No caso do Oriente Médio, a invasão do Egito pelas forças napoleônicas constituiu o ponto de partida para a ocupação e colonização. Portanto, a busca pelo Oriente corresponde à busca de alternativas aos produtos e mercados perdidos nas América pelo capitalismo imperialista do Ocidente e, principalmente, a busca pela recomposição das forças imperiais debilitadas pelas guerras revolucionarias na Europa. Albert Hourani (2006), vê este processo como uma tentativa de recuperação da força dos impérios europeus:
As primeiras tentativas para recuperar a força do governo imperial ganharam urgência com as guerras entre primeiro, a França da revolução e segundo a França de Napoleão e as outras potências europeias que convulsionaram a Europa de 1792 a 1815, que foram travadas onde quer que exércitos europeus possam marchar ou marinhar (Hourani, 2006, p. 191).
A urgência e a determinação que se refere Hourani se explicam, pelas necessidades sentidas pela Europa em fase de processo de reconstrução e de industrialização, mas dependente do ponto de vista das matérias primas, principalmente, devido à perda das plantations de algodão e café das Américas agora independentes.
Logo, a colonização do Oriente Médio foi causada primeiro, pela necessidade de novas fontes de matérias primas, novos mercados devidos à urgência da reconstrução da Europa debilitada por guerras internas. A ofensiva ocidental, teve então como primeiro impacto a queda do Império Turco Otomano que, no seu auge chegou a ocupar parte da Europa Ocidental. Segundo, a busca pelo Oriente, que será ocupado e colonizado, constituindo assim uma das alternativas de compensar as perdas causadas pelas independências americanas, principal fonte de matéria primas da indústria nascente na Europa e, em terceiro lugar, a colonização do Oriente Médio foi causada pelo surgimento de grupos de elites internos, em disputas por recursos existentes nos territórios perdidos pelo Império Otomano, como no caso da Turquia, que viu parte das suas elites se aliarem com os britânicos na resistência contra a França de Napoleão Bonaparte.
Esta aliança turca- britânica para barrar o avanço das tropas napoleônicas do Egito para Síria, foi a primeira aliança entre os otomanos e Estados não muçulmanos, e constituiu a primeira grande incursão de uma potência europeia num país central do mundo muçulmano. Segundo Hourani foi o primeiro contato dos habitantes do Oriente Médio, com um novo tipo de poder militar e as rivalidades dos grandes Estados europeus. Isto significa que a primeira penetração europeia no mundo muçulmano foi facilitada pela aliança estabelecida entre a elite turca e os britânicos, mas do outro lado, nos Bálcãs, com o recuo do poder otomano, a França, em parceria com as minorias cristãs criaram repúblicas autônomas.
Vale lembrar que no século XV, o Oriente Médio foi dominado pelo feudalismo-militar turco que, de certa forma, ajudou a empobrecer a região, devido a sua concorrência com as potencias europeias. Este empobrecimento da região se deu devido ao desvio das grandes rotas comerciais para os oceanos pelos impérios mercantis europeus, causando o abandono das rotas terrestres - como a Rota da Seda - que ligavam o Oriente ao Ocidente (Visentini, 2014). Ou seja, as rotas terrestres de comércio foram a origem da prosperidade do Oriente Médio, permitiram a expansão do islamismo da península Arábica para o mundo, transformando cidades como Meca, Medina, Damasco e Cairo em importantes centros políticos e econômicos. Nesta ótica, Eric Hobsbawm afirma que:
No início do século XX, não faltava negócios a serem feitos no Império Otomano, no Oriente Médio e, a Áustria, há muito tempo era a janela comercial da Europa Central para o Oriente. O Egito era ao mesmo tempo um museu vivo, próprio para o aprimoramento cultural, e uma comunidade sofisticada da classe média cosmopolita europeia, com quem era fácil se comunicar por meio da língua francesa. A importância econômica e cultural do Oriente para a Europa e, justifica, porque a ocupação, dominação e colonização da região passaram por estratégias variadas entre os quais a invenção do Oriente. Seguramente, é levando em consideração essa importância, que Vizentini argumenta que:
Na segunda metade do século XIX, com a decadente Turquia, a cobiça das ascendentes potências europeias em industrialização voltou-se para essa região de notável importância geopolítica. Os franceses se apresentaram como “protetores” das minorias cristãs e os ingleses, das minorias judaicas, acirrando as tensões locais e produzindo situações em que as minorias étnico-religiosas ou tornaram-se protagonistas da política internacional (Visentini, 2014, p. 6).
Visentini ilustra e descreve o início da colonização, bem como as motivações e o uso das minorias étnico-religiosas como meio de penetração e dominação europeia sobre o Oriente Médio. Essa forma de dominação continuará a influenciar e impactar nas relações socioeconômica, política e cultural do Oriente desde então, gerando uma polarização que opõe grupos internos. Instaura-se, deste modo, a base da formação do Estado focado na dominação de uma minoria colaboradora sobre a maioria e, aliada aos impérios, que lutam pela salvaguarda da autonomia política, cultural, religiosa e pela preservação das riquezas do solo e do subsolo da região. Esta polarização das relações internas constitui a principal semente dos conflitos e das guerras que a região viveu e vive. Igualmente, na era das navegações, era importante ter o domínio e controle de pontos de ligação geopoliticamente incontornáveis para o capitalismo, como o Canal de Suez, que liga o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho (i), o estreito de Ormuz, que serve de passagem do golfo Pérsico ao golfo de Omã (ii), o estreito de Bósforo que permite passar do mar Negro ao mar Mediterrâneo (iii) e estreito de Babe - El Mandeb que liga o mar Vermelho ao oceano Índico na altura do chifre da África.
A busca pelo controle e defesa de interesses geopolíticos e econômicos como as citados acima geram múltiplas geometrias de cooperação e conflitos internos e internacionalizados. Assim, se a invasão do Egito pelas forças napoleônicas tinha entre outros objetivos cortar o caminho das Índias aos ingleses (Riou, 2005), os britânicos buscaram aliança com a elite egípcia para abrir a passagem obrigando os franceses a se retirarem da região (Visentini, 2014).
A pressão combinada de britânicos e egípcios levou à retirada dos franceses da região em 1801, no entanto, a ocupação de Napoleão deixou um legado importante, que se materializou politicamente, por um esforço local por autonomia frente ao Império Otomano. Do ponto de vista econômico, surgiram as primeiras tentativas de modernização ao estilo ocidental conduzida pelo Estado. O Egito foi, segundo Samir Amin (2010), o primeiro país da periferia do capitalismo globalizado que tentou emergir, bem antes do Japão e da China no início do século XIX. Conforme Amin:
Muhammad Ali tinha concebido e levado a efeito um projeto de renovação do Egito e dos seus vizinhos imediatos do Mashrek árabe. Esta experiência forte ocupou os dois terços do século XIX e se apagou somente na segunda metade do reino de Ismail Paxá, durante os anos 1870. A análise do seu fracasso não pode ignorar a violência da agressão externa da maior potência do capitalismo industrial central da época – a Grã-Bretanha. Duas vezes em 1840, depois nos anos 1870 (através da tomada do controle das finanças do Egito Kedival1) e, por último, pela ocupação militar (em 1882), a Inglaterra prosseguiu com obstinação o seu objetivo: impedir a emergência de um Egito moderno (Amin, 2010, p. 221-222).
Aquele processo de violência e agressão externa deixou marcas não somente pela crueldade e os impactos econômicos referidos por Samir Amin, mas principalmente, pela divisão interna gerada pela mesma, na medida em que havia grupos locais aliados aos imperialistas britânicos contra seu povo e país.
Do ponto de vista geopolítico, Napoleão e suas tropas deixam como legado a rivalidade europeia pelo controle do que restava do Império Otomano e Islâmico (Visentini, 2014; Amineh, 2007) e o fim da dinastia otomana, além de marcar o término da regra “califal” e da ordem islâmica estabelecida desde a época do profeta Mohamed. Igualmente, introduziu mudanças dramáticas, anos antes do fim da hegemonia dos otomanos, como o aumento dos interesses econômicos e militares da Europa na região em choque como a revolta árabe, aceleraram a morte do sultanato (Kamarava, 2005).
Portanto, se, administrativamente a região fora uma divisão do Império Otomano, o enfraquecimento do mesmo levou antes do início da Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha a ocupar o Egito, em primeiro momento depois, dominou a periferia da península Arábica como o atual Iêmen do Sul, Omã, Emirados Árabes Unidos (costa dos piratas) e mais tarde administrar os protetorados do Catar, Bahrein e Kuwait. Com o início da Guerra, a aproximação e aliança da Turquia com a Alemanha, a Inglaterra ocupou o Iraque, os estreitos turcos e a Palestina, buscando estabelecer uma aliança com os árabes do deserto.
Assiste-se desde então, a uma mudança estrutural que gerou transformações sociais, econômicas, políticas e culturais na região. Embora, as mudanças não constituíam novidades para o Oriente Médio, as metamorfoses ocorridas após a Primeira Guerra Mundial foram mais rápidas e em nível mais fundamental do que qualquer outra mudança do passado e, por isso, seus efeitos e consequências estão, ainda hoje, visíveis no Oriente Médio (Kamarava, 2005, p. 50).
Importa ressaltar que as rivalidades entre os europeus na região, não impediram em momentos específicos, a colaboração contra os supostos inimigos comuns (os árabes, ou os russos), até a celebração de acordos para a proteção de interesses estratégicos, como foi o caso do pacto entre britânicos e franceses ao assinarem o acordo secreto de Sykes-Picot, em 1916. Este acordo tinha como objetivo a partilha e a consolidação da presença franco-britânica na região, em vista da defesa dos seus interesses geopolíticos (como evitar o avanço da Rússia na região) e econômicos (como controlar os pontos de passagens como o canal de Suez e as reservas energéticas) (Halliday, 2005). Segue na mesma esteira a Declaração de Balfour, de novembro de 1917, a Conferencia de San remo em abril de 1920 e o Tratado de Civis, de agosto 1920 (Kamarava, 2005, p. 54).
Segundo estes autores, a intenção colonialista do acordo secreto de Sykes-Pico provocara conflito de interesses com os árabes, que, ao se aliarem aos britânicos, pretendiam depois da derrocada do Império Otomano, conseguir a autonomia política. Ora, esta pretensão era contrária aos interesses e objetivos dos colonos britânicos, que, através do acordo com os franceses, assegurara sua presença na região durante os anos Entre Guerras por meio da administração indireta (indirect role). Os franceses por sua vez, depois de derrotar o governo de Faysal de Damasco, resistente à ocupação, em 1920, estabeleceram um controle direto nos territórios da Síria e do Líbano. A partir deste momento, o Oriente Médio vive confrontando ou confrontado com o dilema entre um passado glorioso do Império Otomano, que pode ser chamado de fase tradicional e o passado colonial, visto como um momento de humilhação por uns e de modernização por outros. Esse dilema que se originou nas circunstancias e fragmentos (Hobsbawm, 2015), constitui a principal base da construção do atual Estado-nação no Oriente Médio, assim como é a fonte principal dos conflitos tanto internos quanto internacionalizados, que vive quase que eternamente a região.
Independência e Construção do Estado-nação
Como indica o livro “The Middle East: A political History since the first World War”, de Mahran Kamarava, o Oriente Médio contemporâneo tem três períodos decisivos de vida que são respectivamente: o período Entre Guerras, com duração de aproximadamente a partir do fim do Império Otomano até o fim da Segunda Guerra Mundial(1); a fase ou período situado entre 1940 e 1950, quando nasceram o Estado do Israel e seu principal inimigo, o Nasserismo (2) e; por fim, o período dos anos 1960, 1970 e 1980, durante o qual o mundo árabe assistiu a uma derrota militar vergonhosa em 1967, uma vitória que inspirou a confiança dos “inimigos” (uma outra humilhação depois daquela deixada pela colonização), conhecida como a Guerra dos Seis Dias (3).
O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe aos Estados árabes a soberania exigida desde fim da Primeira Guerra Mundial e a criação dos Mandatos pela Liga das Nações, em 1919. No entanto, a retirada das tropas e dos administradores europeus não significou, como toda a região do Oriente Médio rapidamente descobriu, o fim da luta e da dependência em relação às potencias externas. Dentro do contexto da Guerra Fria, muitos dos novos Estados da região foram induzidos em uma guerra fria regional e, às vezes, quentes como aliado de uma ou outra das duas superpotências (EUA e URSS).
As assistências econômica e militar tornaram-se as novas mercadorias da construção de alianças. Países como a Turquia, o Irã, a Jordânia e Israel, que apoiaram totalmente os Estados Unidos e seus aliados europeus contra a União Soviética, receberam generosas quantias de ajuda dos EUA e foram incentivados a comprar grandes quantidades de armas ocidentais. Os países que preferiam manter certa distância entre si e seus antigos governantes imperiais viram-se desligados da ajuda ocidental e forçados a recorrer à União Soviética para assistência militar e econômica (Cleveland, 2009, p. 296).
A região entrou numa nova fase de conflitos e rivalidades regionais, pondo assim em perigo o sonho do primeiro despertar árabe, que a construção da grande nação árabe, com base no nacionalismo, no pan-arabismo ou simplesmente uma identidade única historicamente herdada do expansionismo islâmico e do Império Turco Otomano.
O início da construção da soberania será seguido de repetidas crises e guerras entre as quais destacamos: Guerra da Argélia, Guerra dos Seis Dias, a crise do petróleo 1973, Revolução Iraniana, Guerra Irã-Iraque, primeira e segunda Guerra do Golfo, Guerra ao terror, até os atuais conflitos da Síria e do Iêmen. Enfim, o entendimento da atual situação, assim como a projeção do futuro do Oriente Médio, passa pela compreensão deste processo histórico da região que vai desde início da expansão do islamismo, do Império Turco Otomano, passa pela colonização e o processo de descolonização (inacabado) e culmina na tentativa fracassada de construção dos Estados nacionais no Oriente Médio.
Considerações Finais
O objetivo deste trabalho foi buscar facilitar o entendimento e análise dos conflitos e guerras do Oriente Médio moderno (atual). Para tanto, partiu-se de uma apresentação do contexto do surgimento do islã, sua relação com os impérios anteriores tidos como base da civilização ocidental. Aceitando a existência desta relação, partiu-se para o entendimento do conceito do Orientalismo Edward Said, que sustenta que este conceito é uma criação do Ocidente, primeiro para afirmar-se como Ocidente e, depois, para buscar dominar o Oriente. Portanto, teoricamente, o orientalismo sugere ser o ponto de partida da dominação ocidental do Oriente (colonização). Na sessão sobre a colonização, mostrou-se como a colonização e suas estruturas e instituições definiram o futuro do Estado-nação reivindicado desde o século XIX, mas somente conquistado no século XX com o fim da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria. É neste contexto que inicia os processos de construção do Estado, sem romper com a dependência dos antigos colonizadores que, no novo contexto, usam do sistema de “ajuda” para subjugar economicamente, influenciar politicamente e controlar geopoliticamente. Neste sentido, sustenta-se o argumento de que os atuais conflitos e guerras no Oriente Médio são resultado do processo histórico que se iniciou com o surgimento do islamismo, passou pela colonização e pela descolonização para culminar nos processos de independência e de construção do Estado.
Isto significa que se a justificativa para o surgimento e a expansão do islã foi baseada nas falhas dos antigos impérios, que a colonização do Oriente pelo Ocidente passou pela construção do Orientalismo e na apresentação do islã como inimigo a ser combatido, para definir as fronteiras políticas (Estado), mas também os seus dirigentes, gerando primeiro uma bipolarização das relações internas dos árabes (radicais e moderados), criando condições de conflitos permanentes. Nestes conflitos, se desenvolve[m] os jogos geopolíticos de apoio, repudio, ou amigos/inimigos para continuar explorando os recursos econômicos (mercado de armas) e geopolíticos (petróleo, rotas do comercio internacional).
Referências
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1 Professor da Universidade de Integração Latino-Americana-UNILA (Brasil). E-mail: mamadou.diallo@unila.edu.br
2 Definida como a região onde, Ásia, Europa e África se conectam, marginalizada dos grandes processos de transformação durante mais de quatro séculos (XV ao XIX) de dominação turca otomana, emergiu como realidade geopolítica na passagem do século XIX ao XX (Visentini P. F., 2014). o Coração do Mundo como é chamada por Peter Frankopan, a região entre o Oriente e o Ocidente, ligando a Europa ao oceano Pacifico, foi o eixo em torno do qual girava o Globo (Frankopan, 2019, p. 14).
3 Abarca a península Arábica (Arábia Saudita, Iêmen, Omã, Emirados árabes, Catar, Bahrein e Kuwait).
4 Compreende Líbia, Tunísia, Argélia Marrocos e Saara Ocidental e os países do chifre da África que integram a Liga Árabe (Sudão, Eritreia, Djibuti e Somália).
5 Abrange as repúblicas muçulmanas que integravam a URSS (Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Turcomenistão).
6 Segundo Visentini e Pereira (2008), a formação do Mundo Contemporâneo corresponde a um período de transição do feudalismo ao capitalismo, durante a história Moderna. A longa crise e evolução da economia e da sociedade europeia durantes os séculos XIV e XV marcou as dificuldades e os limites do feudalismo na última fase da Idade Média acrescentam, os autores (Visentini & Pereira, 2008).
7 Alcorão, Surata (capitulo) 2, Versículo 136; Alcorão cap. 4 versículos 163 ao 165; Alcorão cap.6 versículos 84 ao 86).
8 Nasceu no dia 25 de abril do ano 571 da era cristã em Meca, onde cresceu até aos 40 anos de idades quando recebeu a mensagem e a missão de transmitir a nova religião conforme Aminuddin (1989). O mensageiro do Islã faleceu vinte e dois anos depois do início do Islã em 632.
9 Esta mensagem foi revelada por Deus e muitos Profetas de várias nações em épocas diferentes incluindo Abraão, Ismael, Isaac, David, Moises, Jesus e Muhammad. Segundo Abdalati (2008) o que ainda é mais importante é que os muçulmanos crêem em todos os profetas e mensageiros sem distinção entre eles.
10 Segundo este autor, O monoteísmo foi pregado pela primeira vez pelos profetas do antigo Israel e é um dos legados mais significativos e duradouros da fé judaica. Outras formas de monoteísmo também estavam presentes na região. No século VII aC, o profeta iraniano Zoroastro pregou uma doutrina que sustentava a existência de um Deus supremo em constante luta contra as forças do mal. O zoroastrismo foi revivido pelos governantes do Império Sassânida baseado no Irã (234-634 dC) e foi adotado como a religião oficial de seu estado. Uma terceira fé monoteísta, o cristianismo, cresceu rapidamente a partir da época romana e foi proclamada a religião oficial do Império Bizantino no final do século IV (Cleveland, 2009, p. 26).
11 O autor afirma que as bebidas alcoólicas, os jogos de azar, o enterro de meninas vivas, o casamento entre irmãos e irmãs, a poligamia sem limite, o adultério, a imoralidade e todas as maldades eram praticadas não só na Arábia, mas quase em tudo mundo.
12 Daesh é um acrónimo arábico para ad-Dawlah al-Islāmiyah fī ‹l-ʿIrāq wa-sh-Shām, ou sej, o Estado Islâmico do Iraque e da Síria – ou ISIS como o grupo é conhecido internacional.
13 É a palavra literal de Deus, revelada ao Profeta Maomé (Mensageiro de Allah) através do Anjo Gabriel o Alcorão que destinavam-se a dirigir todos os assuntos da ummah, incluindo as relações entre os seres humanos (social, politica, economica, cultural, etica etc) (Cleveland, 2009, p. 49). À medida que o estado islâmico se expandia para um império mundial, seus líderes encontraram novas situações e adotaram práticas administrativas não encontradas no Alcorão, considerando principalmente, a Sunah (tradição do profeta). Segundo Rodinson (1966), a religão muçulmana esta codificada no Alcorão, que é um documento preciso e muito bem delimitado e, em um conjkunto de textos conhecidos como “a Sunah”.è o conjunto das “tradições” que trazem o que o Profeta Maomé teria feito ou/e dito. Tais texto tem valor normativo para os muçulmanos.
14 Que são respectivamente tratados pelos versículos, 12, 14, 19 e 71. Na mesma linha, temos, na surata 21 que trata dos profetas do islã e 47 dedicado a Muhammad.
15 Talibã, Estado Islâmico, Al Qaeda, Amin, Al Shabab e pelas potencias imperialistas do Ocidente (Estados Unidos, França, Inglaterra, enfim todos os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte-OTAN).
16 De forma geral, o neocolonialismo designa a nova forma de relação de domínio entre os países do primeiro mundo (desenvolvidos) e os países do terceiro mundo (subdesenvolvidos ou em desenvolvimento), entre o centro e a periferia
17 Cabe observar que se utiliza de forma simplificada, sem desconsiderar a importância da obra clássica de Said. Outrossim, considera-se que a biografia, o contexto e as produções são amplos demais para constarem neste texto. Mas além disso, considera-se que o leitor, tem acesso fácil a estes elementos, caso necessários.
18 Bonaparte cortará o caminho da Índia atacando o Egito, seu fraco bloqueio. E sem as Índias, a Inglaterra não seria nada (Tradução nossa).
19 É importante assinalar que houve um esvaziamento da importância das rotas do mar Mediterrâneo. Mas, as grandes rotas da EURÁSIA (incluindo a Rota da Seda) permaneceram como “objetos de desejo” dos comerciantes e poderes políticos da península Ibérica e do nordeste do oceano Atlântico ou Atlântico Norte.