Relações comerciais entre China e América Latina: assimetrias e ausência de redirecionamento

Relaciones comerciales entre China y América Latina: asimetrías y ausencia de redireccionamiento

Paula de Sousa Constante1

Fecha de recepción: 30 de abril de 2020
Fecha de aceptación
: 26 de mayo de 2020

RESUMO

Os estudos estão orientados a analisar a relação comercial entre América Latina e China, após sua entrada na Organização Mundial do Comércio, bem como enfatizar em qual o rol de produtos se funda essa relação. Sem dúvida, a relação comercial e os investimentos estrangeiros diretos entre estes países vêm alterando as relações e estratégias da região latino-americana. Desde o ponto de vista metodológico, utilizam-se duas etapas complementares: uma quantitativa e outra qualitativa. Por fim, são trazidas possíveis preocupações sobre os investimentos estrangeiros diretos, o processo de reprimarização da região e a integração latino-americana.

Palavras-chave: América Latina, China, comércio bilateral.

RESUMEN

Los estudios están orientados a interpretar la dinámica de las relaciones entre América Latina y China después de su entrada a la Organización Mundial del Comercio y a enfatizar en qué tipos de productos se basa esa relación. Indudablemente, la relación comercial y la inversión extranjera directa entre estos países viene cambiando las relaciones y estrategias de la región latinoamericana. Desde el punto de vista metodológico, se utilizan dos etapas complementarias: cuantitativa y cualitativa. Finalmente, traemos varias preocupaciones sobre las inversiones extranjeras directas, el proceso de reprimarización de la región y la integración latinoamericana.

Palabras clave: América Latina, China, comercio bilateral.

Introdução

A confluência de distintos interesses chineses em permanecer como um novo hegemon da economia global direcionou seus olhares para a nossa região. Notícias cada vez mais recentes indicam os interesses chineses na região. Ao exemplo de 2015, o premiê chinês visitou inúmeros países da América Latina, dentre eles Brasil, Colômbia, Peru, Chile e realizou diversos acordos de investimentos e mineração, cujo saldo desses acordos chegam ao patamar de US$ 53 bilhões. Destacamos também a guerra comercial entre Venezuela e Estados Unidos em 2019, na qual a China manifestou de maneira pragmática o “apoio aos esforços realizados pelo governo da Venezuela em manter a soberania, a independência e a estabilidade nacional” (BBC, 2019:1). O pronunciamento de apoio à Venezuela foi proferido pelo porta voz do Ministério das Relações Internacionais da China e ocorreu logo após a tentativa de golpe por parte de Juan Guaidó. Subjacente a esse posicionamento está a dinâmica chinesa em resguardar os acordos realizados com a República Bolivariana. Recordemos que, em 2018, a China assinou 28 acordos bilaterais com a Venezuela, bem como concedeu inúmeros empréstimos, os quais, em grande medida, são compensados com o petróleo.

Mudanças passam a circundar a política socioeconômica da América Latina a partir dos anos 2000 – a chamada onda vermelha que escorre pelas veias e que transmutam o cenário de parte considerável dos países da região. Assim, o início do século XXI foi marcado pela ascensão de governos progressistas que coadunavam com anseios integracionistas, bem como pretendiam equalizar, e, em certa medida, banir, o arcabouço neoliberal. Com Evo Morales (Bolívia) se recupera o arbítrio da riqueza petroleira e do gás ao estatizá-los; Luiz Inácio Lula (Brasil) aumenta o poder de compra da classe trabalhadora e fortalece o país e a região internacionalmente; Néstor Kirchner e, posteriormente, Cristina Fernández de Kirchner (Argentina) contribuíram para as melhorias e condições salariais da população e Hugo Chávez (Venezuela) que inicialmente possuía um projeto de governo reformista, porém ousou ao iniciar um processo de desmantelamento do neoliberalismo, encabeçando a revolução bolivariana e buscando limitar a atuação dos Estados Unidos na região.

É preciso reconhecer, entretanto, que na economia não há horizontes finitos e a bússola foi à direita conservadora, sobrevoando a região nesse momento, de modo que as potencialidades das políticas de financeirização e da ideologia neoliberal retomam seus passos e iniciam uma onda de mecanismos de flexibilização das relações trabalhistas, reformas previdenciárias e privatizações de diversos setores fundamentais para o desenvolvimento, redesenhando a estruturas do modo mais perverso: com o aprofundamento do processo de acumulação de capital do capitalismo. As políticas já não escondem os interesses atávicos da elite conservadora aliada aos interesses dos capitais externos (em especial, estadunidense), que apregoam a volta da manutenção do status quo da região.

Dentro desse cenário infinito da economia está a presença chinesa na América Latina que se enraíza mais fortemente a partir do século XXI, realizando acordos bilaterais, acordos de livre comércio e investimentos estrangeiros diretos, inclusive contribuindo com o fenômeno intitulado boom das commodities, resultado do aumento massivo de exportações da região latino-americana para o país asiático. A assimetria nas trocas comerciais entre as duas regiões tem se dado, nos últimos anos, pela exportação chinesa de manufaturas que aterrissam em solo latino-americano e pela importação chinesa de bens primários e recursos naturais oriundos da América Latina. Nessa relação continuamos subservientes à exportação de bens primários de baixo valor agregado para uma “nova” potência que deslancha no processo de desenvolvimento.

O escopo desse trabalho é possibilitar ferramentas que nos permitam conhecer a relação que a América Latina tem tido com a China. Porém é essencial reconhecer a América Latina nesse processo como um rol de países periféricos, subdesenvolvidos e dependentes com fito a analisar de maneira crítica essa relação e buscar desvelar os verdadeiros impactos para a região. Trata-se, dessa maneira, de analisar a relação entre as duas regiões dentro do marco do sistema mundial capitalista, cientes do lugar latino-americano como subdesenvolvidos na história econômica, bem como da impossibilidade de desenvolver-se tal como os países precursores – consoante aos ensinamentos de Furtado (1994). Por um lado, tomamos como marco temporal a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) e, por outro, o aprofundamento da desindustrialização e reprimarização dos países latino-americanos – o qual poderá ser visualizado através de dados gráficos. Tendo em conta as circunstâncias internas e externas específicas de cada país da região latino-americana analisaremos a condição evolutiva que nos permite fazer conjecturas gerais, mas sem prejuízo de uma análise mais detalhada que leve em conta os tempos geográficos, os recursos naturais, a localização geográfica e a história de cada país da América Latina.

Metodologia

Os estudos estão orientados a compreender as dinâmicas das relações entre América Latina e a China que, sem dúvida, vêm alterando as relações e estratégias dos países da região latino-americana. Desde o ponto de vista metodológico são utilizadas duas etapas complementares: a quantitativa e a qualitativa. Na primeira, optamos pela revisão bibliográfica de autores relacionados à temática. Na segunda, utilizamos as bases de dados dos principais organismos internacionais, tais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), Observatório da Complexidade Econômica (OEC), Banco de dados da China, Trad Map, Banco Mundial e, em especial, a base de dados do Centro de Estudos China-México (CECHIMEX) e da Red Académica de América Latina y el Caribe sobre China da Universidad Nacional Autónoma de México. Os resultados preliminares desse trabalho são fruto de uma breve instância técnica realizada no CECHIMEX, sob coordenação do professor Enrique Dussel Peters e dos recentes estudos de doutorado, em andamento.

Mirada China - América Latina

O aumento das exportações e importações entre a China e a América Latina coincide com a entrada do primeiro na OMC, resultando na intensificação comercial bilateral e, posteriormente, no aumento dos investimentos estrangeiros diretos nos países latino-americanos. Nessa troca comercial, a América Latina, tendo recursos naturais, se destaca como fornecedora de produtos primários e manufaturas básicas (CEPAL, 2015, 2015a), porém de baixa intensidade tecnológica e, por outro lado, a China, como fornecedora produtos de alto valor agregado.

Em que pese o desenvolvimento da região latino-americana, Raúl Prebisch (1950) já nos alertava sobre a impossibilidade de criar um crescimento satisfatório na região, tendo em vista a deterioração dos termos de trocas, cuja comparação, naquele momento histórico, era realizada em relação à economia dos Estados Unidos. A mesma análise pode ser feita em comparação à China nos dias atuais. Ainda que tenhamos tido uma economia crescente com o boom das commodities e com as exportações e importações do período, resta claro que isso não foi suficiente para o avanço de um investimento e desenvolvimento da região vocacionados para a emancipação e construção de uma economia voltada para a intensificação tecnológica (inovação) e diversificação produtiva.

A China tem mantido com a região latino-americana uma postura relacional “pragmática, coordenada, coerente e dinâmica de longo prazo” (Dussel Peters, 2015:67. Tradução livre), de expansão e ampliação de seus setores comerciais e investimentos diretos no estrangeiro. Destarte, o país asiático inclui outras pautas, tais como educação, cultura e ciência (Dussel Peters, 2016:9. Tradução livre), além de manter uma política pacífica diplomática e busca de apoio para o reconhecimento de uma China única e o isolamento de Taiwan. Resultado dessa relação diplomática é a existência de embaixadas em 23 países da região latino-americana. Em continuidade à essa estratégia política, a China lançou, em 2018, documento intitulado “China’s Policy Paper on Latin American and Caribbean”, sinalizando o fomento ao comércio bilateral, investimentos na região e apregoando a existência de relações de cooperação igualitárias, bem como o desenvolvimento comum do aos países da região (FMPRC, 2016), destarte a realidade das relações tem apontando inúmeras assimetrias entre os polos envolvidos.

A inserção da China na região da América Latina veio acompanhada por distintos acordos comerciais bilaterais, com o Brasil2 (1993), Argentina (2004), Venezuela (2001), México (2003), Colômbia (2012), e acordos de livre comércio, com Chile (2005), Peru (2008) e Costa Rica (2011). Soma-se a isso o estabelecimento da cooperação chinesa no âmbito da realização de seminários e congressos, cujo escopo também é o fortalecimento relacional com a região latino-americana. Multilateralmente, a China tem fortalecido sua presença institucional, atuando em diversas instituições latino-americanas, tais como:

  1. membro do Banco Interamericano de Desenvolvimento desde 2009 e do Banco de Desenvolvimento do Caribe;
  2. observador da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) desde 1994 e da Organização dos Estados Americanos (OEA) desde 2004;
  3. participante da criação do fórum Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) - China de Cooperação;
  4. parceiro no Mercado Comum e Comunidade do Caribe (CARICOM), da Comunidade Andina de Nações (CAN) e do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

Aspecto interessante, que posteriormente será revelado nos Gráficos, é que a relação segue, ainda hoje, concentrada em determinados países da região e setores específicos de produção.

A China é hoje o maior exportador mundial e segundo maior importador, sendo que, em 2017, seu valor exportado foi de US$ 2,41 trilhão de dólares e o importado, US$ 1,54 trilhão. Mesmo no cenário de queda mundial de crescimento, com a crise de 2008, a China não arrefeceu seus motores de desenvolvimento e sua relação com a região latino-americana. Mister salientar que a América Latina não é o principal sócio da China quando mencionamos o tema da exportação chinesa para o mundo, já que o principal destino das exportações chinesas são os Estados Unidos (US$ 476 bilhões) e, na sequência, Hong Kong e Japão (OEC, 2019) – saliente-se que esses dois últimos países inclusive fazem parte da atual política de fortalecimento do eixo asiático para o crescimento. Quanto aos importadores dos produtos chineses quem desponta como principais sócios dos chineses são os próprios países asiáticos (Coreia do Sul e Japão) e, na sequência, os Estados Unidos. A relação comercial entre a China e os Estados Unidos é intensa politicamente - e pautada por constantes rivalidades comerciais dentro do quadro geopolítico e exercício de poder -, bem como economicamente, sendo, em certa medida, aspectos complementares. A partir de 2007 os dois países engendraram-se em uma verdadeira guerra comercial, em especial ao que consiste na imposição de tarifas aos produtos comercializados entre as regiões, alterando inclusive a logística da economia mundial. Porém a retaliação entre os rivais vai muito além de tarifas, mas sim ao perigo de ascensão chinesa na economia global3. Nesse contexto, as exportações de soja dos Estados para a China caíram e o Brasil se beneficiou dessa relação, todavia devido ao comportamento internacional brasileiro nesse âmbito e a trégua da guerra comercial sino-americana o eixo comercial soja deslocou-se novamente para as grandes potências, destarte o acirramento da guerra política com a presença da covid-19, uma vez que os Estados Unidos tem classificado a enfermidade de “vírus chinês” (BBC, 2020:1).

E qual lugar se insere a América Latina no contexto de expansão chinesa dos últimos anos? Interessante nos questionarmos o lugar latino-americano no processo, as problemáticas, os enfrentamentos, desafios e possibilidades que surgem para a nossa região.

Desde a entrada da China na OMC e a aceitação das regras do jogo do sistema internacional, a região latino-americana tem se tornado parceiro forte da China e os fluxos comerciais aumentaram cerca de vinte vezes (CEPAL, 2015). Muitos países dessa região têm também a China como principal destino de seus produtos em escalas aproximadas.

A China, segundo afirma Oviedo (2006), se apresenta como um parceiro contributivo para o desenvolvimento dos países dessa região, porém a estratégia chinesa de ação tem sido a realização de acordos bilaterais e de livre comércio. Acredita-se que esses tipos de acordos acentuam o caráter assimétrico e proporcionam menos benefícios do que os acordos realizados no âmbito dos mecanismos de cooperação coletivos, os quais visam maior integração.

A hipótese da integração como fundamental na realização de acordos com as grandes potências advém do papel que este possui no fortalecimento de uma posição no poder global (Ferrer, 2007:150), bem como da possibilidade de maior autonomia em um cenário competitivo internacional, diferenciando-se dos acordos bilaterais propriamente ditos que, em certa medida, fortalecem os padrões de exploração e subalternização oriundos de uma relação assimétrica de centro versus periferia.

Ademais, a América Latina é parceira essencial, mas não prioritária na política internacional chinesa. Observa-se que a política expansionista chinesa não se detém, tão somente, à nossa região - mas se expandiu para as demais regiões mundiais, por exemplo, a África -, em que pese a China seja o principal sócio comercial do Brasil, Chile e Argentina e destino essencial das exportações da Bolívia, Venezuela, Colômbia (Iglecias, 2015).

Evolução exportação e importação China – América Latina

As exportações e importações aumentaram consideravelmente após a entrada da China na OMC, conforme podemos observar da Tabela 1 e Gráfico 1. O comércio entre as duas regiões era incipiente, por exemplo, em 1995, quando as exportações representavam US$ 3.124 milhões. Todavia, a partir de 2004, o valor aumentou cerca de quase seis (6) vezes, totalizando US$ 17.995 milhões de dólares referente. Num segundo momento, as exportações da China para a região latino-americana passaram de US$ 9.343 milhões, em 2002, para US$ 71.018 milhões de dólares, em 2008, ou seja, cerca de quase oito (8) vezes. Todavia, nesse segundo período há uma queda referente ao ano de 2009, reflexo da crise mundial sistêmica do capitalismo.

Com relação as importações, a China é o segundo maior importador mundial e similarmente se observa uma tendência de aumento das mesmas com sua entrada na OMC: anteriormente ao seu ingresso, em 1995, suas importações perfaziam o valor de US$ 2,964 milhões de dólares, mas, em 2004, alcançou o valor de US$ 21.651 milhões de dólares, mantendo seu ritmo de crescimento mesmo com uma pequena queda entre 2008 e 2009. Desta maneira, a tendência de aumento percorreu todo o lapso temporal analisado, salvo breves quedas. A tendência de aumento das exportações e importações decorrente de sua entrada na OMC, algo também observado em outros países, representa seu ingresso a economia mundial competitiva.

Tabela 1: China - América Latina (milhões de dólares)

Período

Exportação

Importação

1995

3,124

2,964

2000

7,095

5,403

2001

8,143

6,685

2002

9,343

8,878

2004

17,995

21,651

2005

23,343

26,587

2006

35,622

33,999

2007

50,497

50,837

2008

71,018

71,14

2009

56,543

63,696

2010

91,274

90,407

2011

112,184

118,682

2012

134,668

124,823

2013

133,565

125,969

2014

135,217

126,659

2015

131,514

103,865

2016

114,462

101,479

2017

131,881

125,916

2018

148,988

157,102

TOTAL

1.416,476

1.366.742

Elaboração própria. Fonte: http://www.economia.unam.mx/cechimex/index.php/es/china-est-esp-menu. Tabela: China: por capítulos del Sistema Armonizado (C13 e C14).

Gráfico 1

Elaboração própria. Fonte: http://www.economia.unam.mx/cechimex/index.php/es/china-est-esp-menu. Tabela : China: por capítulos del Sistema Armonizado (C13 e C14).

Exportações China – América latina: manufaturas em pauta

Os dados referentes à exportação só fazem sentido para a compreensão da realidade latino-americana quando investigamos a cesta de produtos exportados pela China à região. Antes de prosseguirmos salientamos que há diferenças entre os dados do CECHIMEX, que tem como fonte a China Classification Society (CCS), e do Trade Map, todavia a diferença está dentro do patamar aceitável e caminham no mesmo sentido de expansão do índice de exportação, além de incluírem a importação da China em relação à América Latina no período analisado.

Segundo o Trad Map, no período 2001 à 2019, os primeiros itens da pauta exportadora do país asiático para a América Latina consistem em máquinas, aparatos, materiais elétricos (tais como aparelhos de som e reprodução de imagem tais como televisão e seus componentes) e radiotelefonia, aparatos e artefatos mecânicos (OCE, 2019), totalizando, em 2019, cerca de US$ 640.997 milhões de dólares. Em segundo lugar, destacam-se as máquinas e os aparatos mecânicos, reatores nucleares e suas complementariedades, com cerca de US$ 416.975 milhões de dólares, em 2019 e, em terceiro, está o setor de veículos de automóveis, velocípedes e seus acessórios, alcançando US$ 99,499 milhões de dólares no mesmo ano.

Em resumo, a exportação chinesa para a região latino-americana se pauta em produtos manufatureiros de alto valor agregado e com tecnologia envolvida. Ponto interessante é que o produto mais exportado pelo Mundo e Estados Unidos à região latino-americana são os combustíveis e óleos minerais e seus produtos de destilação, bem como betuminosas e ceras minerais; os setores prioritários exportados da China para a região latino-americana, nessa análise, se deslocam para a segunda e terceira posição.

Geograficamente, os principais países latino-americanos que se destacam como receptores das exportações chinesas são o México, Brasil e Chile. Em 2014, o Brasil se destacava majoritariamente como o principal destino de produtos chineses, com cerca de US$ 34.890 milhões de dólares – aumento expressivo desde 2002, quando o valor transacional foi de US$ 1.466 milhão de dólares. A partir de 2015, o México passa a ocupar posição de principal receptor das exportações chinesas, atingindo, em 2019, o valor de US$ 44.129 milhões de dólares.

Em suma, além das exportações da China para a América Latina se pautarem por produtos manufaturados com alto valor agregado, verifica-se “não há assimetria nas relações comerciais entre a China e a América Latina, o que não é surpreendente, dada a capacidade incomparável da China de desenvolver vantagens comparativas na indústria manufatureira.” (CEPAL, 2015:24. Tradução livre).

A região latino-americana faz parte do mecanismo de manutenção das altas taxas de desenvolvimento, iniciado a partir da Reforma de 1978, e pautado pelo desenvolvimento via exportação, ou seja, pela saída de produtos como ferramenta de desenvolvimento e manutenção das altas taxas de crescimento. Todavia, a região não pode ser entendida como prioritária, tendo em vista que as exportações da China para a América Latina representam, tão somente, cerca de 6% enquanto que para os Estados Unidos, representam 20%. Ademais, Hong Kong e Japão, com 11% e 6,5%, respectivamente, são os principais destinos dos produtos chineses dentro da região asiática e esta região representa cerca de 44% do total das exportações da China, sendo, dessa maneira, a principal região de destino exportador da nova potência (Dados disponíveis em: OEC).

Importações China – América Latina: matérias primas e recursos naturais

O salto expansionista importador chinês em relação à região pode ser explicado inicialmente pela necessidade de matérias primas e recursos naturais para a manutenção de suas altas taxas de crescimento e desenvolvimento. Nesse sentindo, Hiratuka (2018:1) aponta que a corrida chinesa por matérias primas (commodities, minerais, metálicas e energéticas) está associada ao fenômeno da rápida urbanização e industrialização realizadas nas últimas décadas no país. A velocidade do desenvolvimento chinês no último período condicionou o modus operandi de diversos países, em especial da América Latina, ao colocar a exportação de matérias primas como fator principal da balança comercial dessas regiões. Desta feita, há uma clara assimetria entre as exportações e importações na região: enquanto a China fomenta sua indústria inovadora, sofisticada e tecnológica (Dussel Peters, 2012) –exportando manufaturados e produtos com alto valor agregado– resta à região latino-americana a exportação de produtos básicos, não industriais e de baixo valor agregado, além de uma importação industrial crescente. Como resultado, a demanda chinesa de commodities contribuiu para o boom das commodities em termos mundiais (Hung, 2018), bem como para o aumento dos preços, consequentemente, maiores retornos monetários, e para o fomento da indústria de mineração e aumento do agronegócio.

Destacamos alguns países latino-americanos para exemplificar essa tendência e a importância chinesa na região. O Brasil é o principal exportador da região para a China e em 2019 o valor monetário auferido dessa relação comercial atingiu US$ 79.203 milhões de dólares, praticamente duplicando-se em relação ao ano de 2015 (Dados disponíveis em: ITC). Até 2018, os principais produtos brasileiros importados pelo gigante asiático eram sementes, frutos oleaginosos, plantas industriais e medicinais –a soja representava cerca de 42% das exportações nessa relação bilateral–; todavia, em 2019 os principais produtos passaram a ser minerais e metalíferos – o que, em 2018, já representavam cerca de 44% das exportações da Vale (SECEX, 2011) e, não menos importante, os combustíveis minerais, óleos e seus produtos destilados.

Outro importante país da região que mantém forte relação com a China é o Chile, que tem a China como seu principal destino comercial, com uma cesta exportadora composta basicamente de minerais, cobre e manufaturas. É notadamente claro o interesse da China pelas reservas de cobre que o país latino possui, ao se verificar que o consumo de cobre do país asiático triplicou nos últimos anos e é essencial para a produção de bens elétricos e seus similares (Cintra, 2013:20). Além disso, a China é o maior consumidor mundial de cobre (Standard and Poor’s, 2011). O Peru destaca-se pela exportação de minerais, alimentos e cobre. A Venezuela representa o quinto país exportador da região para China, alcançando, em 2014, a cifra de U$S 11.320 milhões de dólares. Todavia, nos anos subsequentes, apresentou queda pela metade referente a esse valor, mas nos últimos anos tem realizado diversos acordos de cooperação e projetos relacionados à questão elétrica e petrolífera com o país asiático.

Interessante mencionar que o Paraguai é o último na colocação de exportações à China, porém mantém fortes relações com Taiwan e é o único país de sul América a reconhecê-lo como país independente.

Em resumo, as importações chinesas da região latino-americana se concentram em produtos de matérias primas, recursos minerais (petróleo, minério de ferro, cobre, soja e outros metais), ou seja, de baixa sofisticação tecnológica. Assim, “a China está se tornando paulatinamente mais e mais importante para os mercados de commodities. Seu papel no mercado e seus impactos no comércio mundial e nos preços variam conforme a commodity; em particular, a China tornou-se o principal importador de metais comuns e matérias-primas agrícolas, com uma menor, porém crescente, importância no mercado de alimentação e de energia” (Roache, 2012 em: Hung, 2018:10.)

A América Latina, ao invés de investir no desenvolvimento voltado à inovação e tecnologia, ou numa economia diversificada aliada à uma estrutura produtiva moderna, vocacionou-se, nos últimos anos, para o processo de reprimarização. Estudos da CEPAL (2012, 2012a, 2012b) apontam a China como fator determinante desse processo em razão das exportações dos países latino-americanos estarem centradas em bens primários e recursos naturais, de modo que não contribuem para o avanço do setor tecnológico na região, ao revés promovem a especialização, diversamente como ocorre com outras regiões do mundo para as quais a região latino-americana exporta bens com conteúdo tecnológico, como por exemplo, a Argentina cujos principais produtos exportados são veículos, tratores, máquinas, reatores nucleares e plásticos e suas manufaturas. Neste sentido, existe um hiato assimétrico tecnológico das relações bilaterais entre China e a região latino-americana permitindo, dessa maneira, pouca flexibilidade e infraestrutura para se resistir perante as crises capitalistas. Além disso, a ofensiva chinesa implica em ameaça às exportações da região que contêm tecnologia, já que “95% de todas as exportações de alta tecnologia da América Latina estão sob ameaça da China” (Cintra, 2013:38), o que numericamente representa cerca de 12% de toda exportação da região.

A relação comercial da China desenvolvida com a América Latina é interindustrial, diferentemente das importações chinesas com resto do mundo, as quais são diversificadas. A título de exemplo, o item mais importado pelo país asiático mundialmente são máquinas e aparatos de material elétrico, bem como aparelhos de reprodução de imagem e televisão (OEC, 2019).

A cesta de exportação da América Latina e do Caribe para a China é muito menos sofisticada do que a cesta de exportação para o mundo. De fato, em 2013, os produtos primários representaram 73% das exportações da região para a China, contra 41% de seus envios para o mundo. Por outro lado, a fabricação de baixa, média e alta tecnologia representou apenas 6% das exportações para a China, contra 42% dos embarques para o mundo. O oposto ocorre no caso das importações: embora os fabricantes de baixa, média e alta tecnologia representassem 91% das importações regionais da China em 2013, eles representavam apenas 69% das importações do mundo (CEPAL, 2015:29, grifos nossos).

A América Latina é um dos lugares que o vento asiático chega rápido e entrelaça-a nas transformações ocorridas nos últimos anos. Esses ventos nos trazem manufaturas tecnológicas – mencionadas no item “Exportação China – América Latina: manufaturas em pauta” – e levam matérias primas e bens primários, cooperando com o processo de reprimarização e desindustrialização ocorrido nos últimos anos na região. Em síntese, há centralização e ausência de diversificação na pauta exportadora da região latino-americana e, embora a China não seja o único fator causador do processo de reprimarização, ela influenciou sobremaneira para o fenômeno do boom das commodities no mundo e na região.

Algumas inquietações necessárias

A América Latina é palco de constantes transformações, golpes, vitórias, avanços, retrocessos e intervenção estadunidense desde a Doutrina Monroe e, recentemente, o novo programa “Growth in the Americas”, que tem como objetivo realizar “uma abordagem inovadora das regras do governo para apoiar o desenvolvimento econômico, catalisando os investimentos do setor privado em projetos de energia e infraestrutura na América Latina e no Caribe” (Estados Unidos, 2019. Tradução livre)”.

Economicamente, os olhares chineses também se direcionam para a região latina e mantêm as relações comerciais com a região. Além disso, a partir de 2009, outro setor que aumentou a participação na região são os investimentos estrangeiros diretos, totalizando até 2018 cerca de 19 transações. Acreditamos que algumas preocupações devem ser expostas para que possamos refletir sobre as relações comerciais entre China e América Latina com fulcro de fortalecer o debate crítico e epistemológico da região latino-americana e compreender seu papel nessa relação desde uma mirada da periferia mundial.

Investimento estrangeiro direto direcionado

Os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) da China em relação à América Latina ganharam relevância a partir de 2009 (Hiratuka et al, 2016) e são impulsionados pelo processo de internacionalização das empresas chinesas direcionadas pela atuação estatal e que visa promover o desenvolvimento nacional. É uma ferramenta de acesso as matérias primas e novos mercados consumidores para os seus produtos manufaturados (Hiratuka, 2018:13). Em estudo recente, Dussel Peters (2014), no trabalho intitulado “La inversión extranjera directa de China em América Latina: 10 estudios de caso”, realizou uma análise microeconômica do IED na região latino-americana e seus possíveis impactos. O estudo conclui que o IED na região se concentra nas áreas de mineração e energia.

Em alinhamento ao comércio bilateral apresentamos os dados referentes ao IED de 2001 até 2018, não diferenciando fusões e aquisições. Metodologicamente, utilizamos como fonte de dados o Monitor do IED China na América Latina e Caribe (Monitor), realizado pela Red Académica de América Latina y el Caribe sobre China (Red ALC-CHINA), uma vez que possui atualmente as informações atualizadas e por agregar - além de dados - notícias e informações de pesquisadores e empresários com fulcro a manter a alta qualidade dos dados. Ademais, há enorme discrepância entre os dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), do Fundo Monetário internacional, da OCDE, das instituições nacionais como o Ministério do Comércio de China e do meio empresarial. Observemos a tabela abaixo:

Tabela 2: IED CHINA- AMERICA LATINA (2001- 2018)

Período

Transações

IED (milhões de dólares)

2001-2005

16

4,444

2006-2009

58

15,825

2010-2016

238

101,429

2001-2016

402

121,698

2015

35

10,182

2016

38

15,879

2017

59

12,018

2018

46

8,203

TOTAL

289,678

Elaboração própria. Fonte Monitor de la OFDI de China en ALC (2019)

Dos dados apresentados nota-se uma tendência de aumento de IED na região latino-americana após 2009, totalizando, entre 2010 e 2016, 238 transações. Grandes projetos foram realizados nesse período e estiveram concentrados em três companhias energéticas chinesas: China National Petroleum Corporation (em Cuba), China National Offshore Oil Corporation (na Argentina) e China Petroleum e Chemical Coorporation (no Brasil) (Hiratuka, 2018:14). Em continuidade, Hiratuka (2018:16) dispõe:

(...) estiveram acompanhados pelo aumento dos financiamentos dos Bancos de Desenvolvimento Chineses, em especial do China Development Bank e do China Ex-Im Bank. As informações compiladas pela China-Latin America Finance Database registram um valor acumulado US$ 141 bilhões pelos dois bancos chineses entre 2005 e 2016. De acordo com Gallagher (2016) as operações dos bancos chineses operam em setores complementares aos financiadores tradicionais, como a Banco Mundial e o BID, por estarem mais focados em grandes projetos no setor extrativo e de infraestrutura. Grande parte destes financiamentos estiveram associados a garantias de fornecimento de petróleo e tem características diferentes em relação às fontes tradicionais, por carregarem menos condicionalidades em termos de reformas políticas nos empréstimos, embora em muitos caso exista um “entendimento tácito” de que parte dos recursos dos projetos devem envolver empresas chinesas ou importações de fornecedores chineses.

Ainda que a América Latina seja receptora de IED, isso não pode ser comparado aos investimentos realizados pela China na região asiática e que resultam em uma articulação produtiva, com isso fomentando o desenvolvimento. Os fluxos no continente asiáticos giram em torno de 70% do valor total e na América Latina e Caribe, em torno de 13%; por último, os fluxos da África e Oceania giram em torno de 3,5% e 3,2%, respectivamente (Recaj, 2017:9).

A expansão dos investimentos chineses, assim como de seu comércio são crescentes em todo mundo e isso inclui evidentemente a região latino-americana como receptora de investimentos, seja pela questão estratégica chinesa de expansão do poder quanto pela possibilidade de acesso aos recursos naturais e matérias primas da nossa região. Em grande medida é o Estado chinês realizando ou fomentando IED na região latino-americana, ou melhor, tendo papel de agente substancial e poderoso nessa relação (Dussel Peters, 2015), enquanto no âmbito da América Latina encontramos Estados cada vez mais fragilizados e menos nacionalistas e que em grande medida realizaram ondas de privatizações a partir da década de 1980. Em que pese essas ondas serem seguidas de um respiro no início do século XXI, atualmente permanecem diatópicamente, frente ao desenvolvimento da região, como é o caso do Brasil. Geograficamente, o IED se concentra no Brasil e na Argentina, e sua composição é majoritariamente dirigida ao setor dos recursos naturais – em cerca de 90% (CEPAL, 2015:38).

Na extração de petróleo e gás, a China está entre os investidores estrangeiros mais importantes da Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela (República Bolivariana da). Na mineração, a China concentrou seus investimentos no Peru e, em menor grau, no Brasil. Fora dos recursos naturais, sua presença mais importante é no Brasil, onde existem várias empresas manufatureiras e pelo menos uma grande empresa de eletricidade. Por outro lado, ainda existem vários países que ainda não atraíram investimentos estrangeiros diretos significativos da China, como Chile e México. (CEPAL, 2015: 38)

Interessante observar que mesmo em um cenário de guerra comercial com os Estados Unidos e frente à crise de 2008, bem como à queda de IED global, no caso da América Latina houve um aumento considerável de 16% no ano de 2019 com relação ao IED proveniente do país asiático (Dussel Peters, 2020:2). É preocupante a ausência de um planejamento claro e direcionado face aos investimentos realizados e a uma tratativa mais nacional com o fito de resguardar os recursos naturais e matérias primas latino-americanos. Em outras palavras, quanto à ausência de planos de aproveitamento dos investimentos e da infraestrutura realizados pelo país asiático como propulsor, se possível, do desenvolvimento dos países da região latino-americana. No caso específico do Brasil há um alinhamento direto com os Estados Unidos, o que tem ocasionado comportamento internacional oscilante e uma postura claramente neoliberal em todas as esferas.

Reprimarização e assimetrias

O processo de reprimarização da economia latino-americana, a julgar por sua pauta exportadora, é evidente nos últimos anos. Apontamos a China como um dos fatores contributivos, todavia há outros condicionantes que não mencionaremos por ora. A crescente demanda por produtos primários latino-americanos tem contribuído para incrementar o padrão de especialização produtiva na região. Subserviente à exportação de produtos com baixo valor agregado e que não contribuem para o desenvolvimento econômico (aumento da capacidade produtiva), aliada a uma elite não nacionalista e rentista, a região asiática encontrou um grande “parceiro” exportador.

De acordo com o Gráfico 2, observa-se a tendência de aumento das importações pela China dos produtos da América Latina. Também, mostra a evolução da exportação de produtos selecionados da América Latina para a China, com base na importância na pauta exportadora do gigante asiático. Desta feita, de 1995 a 2018, verifica-se um crescimento vertiginoso e, em especial, dos setores de minerais e combustíveis.

Gráfico 2

Elaboração própria. Fonte: http://www.economia.unam.mx/cechimex/index.php/es/china-est-esp-menu. Tabela : China: por capítulos del Sistema Armonizado (C13 e C14).

Conforme mostra Gráfico 3, a seguir, em 2018, cerca de 80% das exportações da América Latina para a China correspondiam aos produtos primários (sementes, minerais, combustíveis, carne e cobre). Também, infere-se que os outros produtos exportados, fruto dessa relação comercial, correspondem atualmente a cerca de 20%, todavia em 1995 representavam ao redor de 80%. Os países da região, banhados pela ideologia neoliberal, têm diminuído a capacidade de coordenar ações eficazes para o desenvolvimento de sua capacidade produtiva e se atolam cada vez mais na especialização dos produtos primários, corroborando os ensinamentos de Furtado (1994).

Gráfico 3

Elaboração própria. Fonte: http://www.economia.unam.mx/cechimex/index.php/es/china-est-esp-menu. Tabela : China: por capítulos del Sistema Armonizado (C13 e C14).

A grande diferença ocorrida na relação da América Latina com a China é que diferentemente das exportações latino-americanas para outras regiões, tais como Estados Unidos, Europa e membros do MERCOSUL, não há fomento da exportação de bens com alta tecnologia envolvida. Soma-se a isso o alto poder de concorrência dos produtos chineses ao ingressar no mercado consumidor latino-americano. Não se encontram barreiras de entrada suficientes, capazes de proteger a região da concorrência chinesa e resguardar a indústria nacional, bem como de ampliar o desenvolvimento tecnológico dos produtos latino-americanos. Isso tem ocasionado, por exemplo, queda da participação do setor industrial na economia, que a exemplo do Brasil, representava, em 1970, 25% do Produto Interno Bruto (PIB), mas que, em 2016, caiu para 14% (Corsi et al, 2019:175).

Desintegração ou Integração Latino-americana: incertezas no devir

A integração tem múltiplos sentidos. Dentre as diversas multiplicidades há integração social, política, cultural e comercial. Vários têm sido os esforços de integração, em especial no que concerne à integração comercial do fator capital. Galeano (2019:356) em sua obra “As veias abertas da América Latina” nos brinda com uma análise perfeita desse processo longo e árduo, visto que, segundo ele, “empobrecidos, isolados, descapitalizados e com gravíssimos problemas de estrutura dentro de cada fronteira” –reconhecida a heterogeneidade estrutural da América latina– “os países latino-americanos abrandam progressivamente suas barreiras econômicas, financeiras e fiscais para os monopólios, que ainda estrangulam cada país em separado”. A América Latina se encontra de braços abertos ao inimigo capital na maioria dos tempos, ainda que existam forças resistentes ao processo.

A cooperação, segundo Granato (2014:24-27), tem como fator crucial o interesse nacional forte e que propõe fortalecer as economias dos países cooperantes na esfera internacional. Dessa forma, consiste em uma possibilidade/saída quanto à condição periférica da América Latina e sua relação subserviente, em especial, com a China. Nesse sentido, esse instituto funcionaria como ferramenta de aumento do poder de barganha no cenário internacional, bem como de melhores direcionamentos dos investimentos e projetos de infraestrutura realizados na região. Diminuidora de assimetrias face aos acordos internacionais, e como defende Lima et al (2005:3), a integração é uma âncora e “defesa dos países frente a um processo histórico poderoso do qual não podem fugir, senão apenas buscar uma melhor adaptação (...)”, já que reunidos “suavizam suas vulnerabilidades”. Soma-se a isso a perspectiva que inclui a integração regional como instrumento de reversão do “estado de periferismo”, conforme afirma Ferrer (2007:15), sob a visão de que “A integração é útil como um instrumento para os países promoverem seu desenvolvimento nacional e fortalecerem sua posição no cenário global” e de que “a integração é condicionada pelas diferentes estratégias dos países em relação à sua inserção no resto do mundo”. Advogamos, porém, no sentido da “reformulação do Mercosul e da Unasul [União de Nações Sul-americanas]4 (Granato, 2014:98) como política de Estado –ainda que no cenário atual os blocos estejam não coesos, em especial, com o anúncio de saída da Argentina–, pois pilares fundamentais para “obter respostas a partir de um enfoque que incorpore os principais postulados do pensamento latino-americano de integração” e especificamente na proposição de estratégias de integração com a China, visando avigorar a competividade e a diversificação da região.

À medida que a economia da região latino-americana vai se desintegrando em seu processo de integração com ênfase na “industrialização e no progresso técnico” (Severo, 2015:120), bem como aumentando o hiato face ao desenvolvimento mundial, a China tem fomentado parcerias de integração asiática e realizado inúmeros acordos bilaterais na nossa região. Se, em meados do século XXI, com a onda progressista na América Latina, esta região teve pautas governamentais de fortalecimento dos blocos regionais e os acordos bilaterais sul-sul, consolidando uma postura mais ofensiva frente ao imperialismo norte americano e à inserção periférica, hoje, o momento que se apresenta é do avanço das forças conservadoras e contra ofensiva imperial, as quais atacam a região com as ferramentas de sucateamento de suas forças produtivas. Como consequência, observa-se o enfraquecimento da integração regional, com a saída recente do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai da UNASUL –criada para promover a integração dos países do Sul–, em especial, quanto aos setores de desenvolvimento, defesa, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e outros. Os interesses nacionais, como salientado inicialmente, são determinantes para a realização da cooperação/integração.

Não se pode afirmar se a China contribuiu ou não para o recente processo de desintegração da região, pois há limites externos e internos que nos condicionam. Quanto ao aspectos externos se sobressaem “a ambição das corporações estadunidenses de ocupar o conjunto do mercado do continente americano a fim de usá-los como plataforma na sua disputa internacional” (Souza, 2008:197) e, consequentemente efetivando a tão sonhada Doutrina Monroe na região, bem como inúmeras estratégias de desmonte das tentativas de integração da América do Sul e da América Latina e Caribe. Soma-se a isso o árduo trabalho que os Estados Unidos tem realizado para extinguir as iniciativas de integração e desenvolvimento autônomo da região, a exemplo de sua estratégia de realização de acordos bilaterais com os membros do MERCOSUL (Souza, 2009:200), mas, também, a estratégia recentemente utilizada pela China, a qual, diante da ausência de mecanismos coletivos de cooperação, nos coloca com menor poder de negociação e autonomia.

Com relação aos aspectos internos existem como entrave ao processo de integração” a) os conflitos entre os interesses empresariais dos distintos países do bloco, sobretudo entre Brasil e Argentina, e b) a acentuada desigualdade quanto aos níveis de desenvolvimento dos países da região” (Souza, 2009:200). A China integra o projeto de integração asiática, porém a relação que ela assume com a América Latina é tipicamente uma relação centro versus periferia, posto que, apesar da postura de cooperação multilateral que assume nos debates internacionais com a região latino-americana, não tem direcionado esforços de cooperação tecnológica e industrial que beneficiariam o desenvolvimento da região latino-americana.

Considerações Finais

A relação comercial entre China e América Latina é assimétrica, com um grande hiato tecnológico e de poder de barganha nos acordos bilaterais. A China é pragmática e planejada. A América latina se encontra sob os holofotes do neoliberalismo e desmantelamento das políticas progressistas implementadas pelos governos da primeira década do século XXI. A grande diferença da América Latina é a ausência de planejamento central, orientado, planejado e organizado para o desenvolvimento, em outras palavras, a ausência de uma política de Estado, e não de governo.

A aproximação chinesa com a região é majoritariamente comercial e a partir de 2009 temos o IED. Dessa forma, a exportação da China à região é composta por uma cesta de manufaturados de alto valor agregado e tecnologia sofisticada. Destarte, a exportação da China à América Latina e Caribe focaliza-se, em grande medida, em maquinários referente a sons e imagem e aparatos nucleares e, em alguns casos, setor automobilístico. Quanto à importação da China em relação à região latino-americana, o Brasil é o principal país exportador, seguido pelos Estados Unidos e Argentina. Essencialmente, a importação chinesa de produtos da região centraliza-se na cesta de recursos naturais e matérias primas, essenciais para a manutenção do rápido crescimento econômico do país e seu desenvolvimento – tendo a rápida urbanização, um dos fatores. A demanda chinesa por commodities contribuiu para o boom das commodites ocorridos na região latino-americana e no mundo, bem como está aliada ao fomento da indústria de mineração e o agronegócio.

Entretanto, frise-se que o país asiático também tem se aproximado multilateralmente da região, participando, por exemplo, como membro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e parceiros do MERCOSUL. Além disso, a China tem metas claras até 2025, por meio do plano Made in China, ao passo que o Brasil, por exemplo, segue desgovernado com o atual governo de Jair Bolsonaro e se alinhando novamente aos anseios imperialistas estadunidenses. Há especificidades em cada país da região latino-americana, porém os olhos certeiros estadunidenses, e sua intervenção nessa região, representam uma linha comum ao longo dos anos. Soma-se a isso a pouca diversidade econômica, baixa flexibilidade, débil infraestrutura e ausência de condições presentes na região latino-americana, para lidar com a crise que assola o sistema capitalista no momento.

Dessa maneira, se, por um lado, a China realiza acordos bilaterais com a região e isso é uma práxis, ao menos a América Latina deveria ter um plano claro de aproveitamento dos investimentos e obras de infraestrutura a serem realizados na região para que estes pudessem, no longo prazo, contribuir para a integração da região sob diversos fatores, dentre eles integração da mobilidade dos fatores de produção. Em outras palavras, tendo em vista as grandes debilidades da integração de infraestrutura na região, poderíamos utilizar o advento dos ventos asiáticos ao nosso favor, porém acreditamos que seja necessário: a) a criação de uma estratégia clara de desenvolvimento como política de Estado, e não de Governo, em cada país da região; b) a ênfase na questão de transferência tecnológica e diversificação da economia; c) o redirecionamento das atividades comerciais; c) o fortalecimento das estratégias de integração em diversos âmbitos. Por fim, esse é o um longo caminho que deverá ser tratado pelos países latino-americanos, se quiserem avançar rumo ao desenvolvimento.

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1 Doutoranda em Desenvolvimento Econômico IE/UNICAMP. Mestra em Integração Contemporânea da América Latina pela UNILA. Bolsista CAPES. Correio eletrônico: psconstante@gmail.com

2 A China e o Brasil assinaram o Plano Decenal (2012-2021) visando o fortalecimento da relação bilateral e duplicação dos fluxos comerciais (Plano Decenal de Cooperação Brasil-China 2012-2021, 2016). A exemplo, em 2014, a China contribuiu para os esforços de lançamentos de satélites.

3 A Guerra Comercial entre os Estados Unidos e China tem início em 2017 com a entrada de Donald Trump ao poder e a reorientação da abertura da política externa. Este apontava o país asiático como um dos culpados pelo desemprego na região e apresentava como proposta o aumento das tarifas alfandegarias (à exemplo o aço e alumínio) com objetivo de aumentar o consumo de bens nacionais e, consequentemente aumentar o índice de emprego. Todavia a China retaliou aumentando as taxas de exportações ocasionando a denominada guerra tarifária.

4 O tratado fundacional da UNASUL versa sobre a necessária e urgente integração dos países da região para galgar caminhos em direção do desenvolvimento e para as melhorias das condições dos povos e sanar com os grandes desafios, quais sejam a desigualdade social e a pobreza. Aposta na integração e o fortalecimento do multilateralismo como forma de desenvolver e avançar rumo à mudança social. Os princípios fundacionais são: irrestrito respeito à soberania, integridade e inviolabilidade territorial dos Estados; autodeterminação dos povos; solidariedade; cooperação; paz; democracia, participação cidadã e pluralismo; direitos humanos universais, indivisíveis e interdependentes; redução das assimetrias e harmonia com a natureza para um desenvolvimento sustentável.