RESEÑA/REVIEW

ROSALES, Osvaldo; El Sueño Chino – Cómo se ve China a sí misma y cómo nos equivocamos los occidentales al interpretarla. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Siglo XXI Editores Argentina, Santiago de Chile: Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 2020, 240 pp.

O livro “O Sonho Chinês” escrito pelo Diretor da Divisão de Comércio Internacional e Integração da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) , Osvaldo Rosales, traz em seu âmago a necessidade de se analisar detalhadamente a visão chinesa sobre si e o mundo, principalmente por conta de sua posição atualmente nas relações internacionais, para assim poder pensar-se como a América Latina pode se organizar e se impor internacionalmente em vias de evitar que a polarização crescente do Sistema Internacional (SI) – conflito entre o atual hegemón, Estados Unidos, e a ascendente China – afete diretamente suas economias e desenvolvimento.

Neste sentido o livro se divide em 13 capítulos, dos quais pode-se dizer que 8 são mais relacionados com a história econômica chinesa e os outros 5 destinados aos atritos entre Estados Unidos e China na esfera atual. Essa construção cria uma lógica cronológica dos fatos e traz clareza sobre os atuais desafios mundiais, mostrando a continuidade da China em atingir seus objetivos, fazendo planejamentos de longo prazo e planos concisos.

No primeiro capítulo, o autor discute “O Sonho Chinês”, o qual seria a volta da China ao centro da civilização e das relações econômicas mundiais, tal como anteriormente ao século XV. Esta época de relevância chinesa foi substituída pelo Século da Humilhação (1839-1949), o qual faz referência ao momento do neocolonialismo, com as Guerras do Ópio (1841-1861), invasões, ocupações, além de revoltas internas. Este século termina com o nascimento do República Popular da China. A partir deste momento até um século depois, 1949-2050, seria o momento em que o País do Meio demoraria para retornar a este posto, ou seja, a regularidade histórica.

A criação da República da China é abordada no segundo capítulo. Sun Yat-sen, o primeiro presidente chinês (1911), foi também o primeiro grande idealizador destacado pelo autor do Sonho Chinês, o qual defendia que os três princípios do nacionalismo, democracia e bem estar do povo seriam o pilar para que esta nação recuperasse sua grandeza e ultrapassasse Inglaterra e Estados Unidos. São considerados os criadores deste Sonho Chinês, Sun Yat-sen, único anterior a RPC; Deng Xiaoping, Jiang Zemin, Hu Jintao e Xi Jinping, os quais já pertencem ao período da RPC e são herdeiros dos erros e acertos de Mao Tsé-Tung, do qual se leva até hoje o pensamento marxista- leninista e admiração.

O terceiro capítulo se desenvolve com base na experiência de Mao Tsé-Tung no governo (1949-1975), período em que houve uma utopia sobre o crescimento, no qual o Grande Salto Adiante (GSA) (1958-1961) mascarava os erros econômicos apenas objetivando o aparente aumento do PIB, e também no qual o medo das críticas levava a mortes e repressão, a exemplo da campanha “Que cem flores desabrochem, que cem escolas rivalizam!” e da “Revolução Cultural” (1966-1969/1970), período em que até mesmo Deng Xiaoping foi castigado, porém, mesmo em meio ao caos, Deng reconhecia a importância de Mao na caminhada chinesa ao desenvolvimento.

O quarto e quinto capítulos focam mais na figura de Deng Xiaoping e a importância de seu pensamento e a Reforma Econômica e Abertura Comercial (1978). Segundo o autor, desacreditado no GSA, Deng analisou o crescimento de países como Japão e os NIC asiáticos, incorporando ao pensamento ideológico de Mao as características econômicas que fizeram estes prosperarem, idealizando alcançar um nível de crescimento louvável mas que caminhasse junto com desenvolvimento científico e tecnológico para elevar o padrão da sociedade, levando a cabo uma tripla transição que garantiria uma economia aberta, de mercado e uma sociedade mais urbana. Desde esse momento, para a concretização do Sonho Chinês, a estabilidade política e social sempre foram um pilar de extrema importância, ou seja, um partido forte. Além disso, a frase “Não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace os ratos”, expõe a crença deste líder de que propriedade privada e pública poderiam coexistir, mas os objetivos ao longo prazo deveriam ser priorizados com papel central do Estado. A partir disso, o capítulo cinco explora todos os sucessos e dificuldades enfrentados por Deng em sua jornada, desde como a experiência de Zhao Ziyang na província de Sichuan o inspirou; como a reforma agrícola fez florescer a industrialização urbana; a abertura ao exterior em 1980 junto com a implantação de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs); os problemas com a tradição e tamanho da China, que dificultaram os objetivos e criaram uma corrupção acentuada; as discussões entre Builders e Balancers, onde Deng representava os primeiros pensando em obras que gerassem crescimento e Chen Yun os segundos que defendiam uma análise mais cuidadosa defendendo uma política de ajustes, debate que Deng perdeu politicamente mas ganhou quando desconsiderou os segundos e impôs o crescimento como meta; até a reforma de preços mal implantada que desbocou na tragédia da Praça Tiananmen.

Os outros chefes de Estado e políticos possuíam características variadas, porém todos continuavam uma política econômica consistente. Jiang Zemin, terceira geração, garantiu a entrada da China a OMC e a Tripla Representatividade dentro do governo; Hu Jintao, quarta geração, proclamou a “Emergência Pacífica” chinesa, fortalecendo a harmonia social e o desenvolvimento científico e criando uma concepção científica de desenvolvimento; e, por fim, Xi Jinping, a quinta geração, alterou a estratégia de crescimento, colocando o setor de serviços e o desenvolvimento tecnológico em primeiro lugar, adicionando pautas ambientais e humanitárias e aumentando a projeção internacional, levando a cabo a tese do socialismo com características chinesas.

O sexto e sétimo capítulos abarcam as alterações na dinâmica da política chinesa com Xi Jinping, que vem com os problemas causados pelos 40 anos de um PIB crescendo a 10% ao ano, necessitando assim fortalecer o setor de serviços, diminuir as dívidas e bolhas imobiliárias, alterar a lógica da renda média e “imposto demográfico”, melhorar a distribuição e poluição, mudando a matriz energética do país. Essas mudanças também convergem com o debate econômico chinês, o qual é explorado na oitava parte do livro, onde a Neoesquerda se sobrepôs ao propor continuidade nas reformas do mercado, mas mantendo o equilíbrio e equidade para se atingir eficazmente os objetivos do Estado.

Com a proposta Made In China 2025, Xi procura tornar a China um dos países que fazem as regras do SI, não apenas as seguem, desse modo, mudaria a lógica da economia política internacional ao procurar transformar o país em uma potência tecnológica, com uma manufatura de qualidade e inovadora. Aqui reside uma das principais preocupações Estadunidenses, pois, segundo o autor, o século XXI seria marcado pela reconfiguração da economia mundial, com mudanças climáticas e tecnológicas, onde quem dominaria o SI seria quem dominasse a inovação e tecnologias disruptivas (a disputa tecnológica é enfocada no capítulo onze).

A partir do capítulo nove se delineia o conflito econômico EUA-China, onde inicialmente se destaca que esta é uma concorrência que vai além de balanças de pagamentos, e que será dificultosa para os Estados Unidos frente ao Sonho Chinês que traz ao conflito contextos próprios de longo prazo, não vistos antes, onde ao cerne se trata de uma disputa estrutural. Além disso, este capítulo descreve todos os pontos que divergem ambos Estados, os reclamos e fortalezas destes.

Essa pressão – sobre o domínio das tecnologias, abordada no capítulo onze – descarrega sobre a relação de ambos países uma forte desconfiança e choques, que resultaram em uma guerra comercial pautada em mais insinuações do que fatos – como as alegações sobre a empresa de 5G Huawei – e que esconde o real objetivo de Trump, que é frear o desenvolvimento chinês em tecnologia. Ao objetivar isso, Trump não avalia a conjuntura, esquecendo que as cadeias de valor globais se ligam diretamente a China e essa guerra traria muitos malefícios ao próprio país estadunidense. Além disso, como a China mudou sua forma de desenvolvimento, a guerra comercial não traria benefícios ao país, tendo que retornar a um sistema que não compensa mais o crescimento. Isso geraria uma crise de ameaças e acordos, cíclica, o que já pode se ver nos diálogos sobre as tarifas, fato que é destacado no capítulo dez, resumindo uma disputa de grande duração com diferentes níveis de intensidades, levando em consideração a pouca previsibilidade do presidente Trump, e autores orientais sobre guerra que fazem pensar que a China seria um combatente pouco previsível igualmente, atacando de forma controlada e estudada (Sun Zi).

Nesse sentido, no capítulo doze, o livro coloca o conflito EUA-China como uma guerra fria do século XXI, que se iniciou com o discurso de Mike Pence (2018), que define a China como o principal desafio dos EUA, o que fortificou acordos bilaterais e uma certa ineficácia da OMC. Essa realidade torna provável uma futura balcanização da internet, o que faz o autor destacar a necessidade de uma fortificação de ações multilaterais, principalmente por parte da América Latina e Europa para se evitar a Armadilha de Tucídides, que seria uma guerra inevitável pelo poder. Porém, antes mesmo disto, o autor evidencia que a ambição chinesa se finda num sistema internacional que possibilite o contínuo crescimento e esboça que a China entende como e porque evitar uma guerra frontal com o atual hegemón, pois, seus objetivos a longo prazo e não interesse em interferir na política dos países tornam essa “armadilha” algo inimaginável, porque não desejam tomar o lugar dos EUA nas grandes instituições mundiais. Todas essas características da economia chinesa juntamente com a análise de teóricos orientais que prezam pela estratégia e não força, levam o livro a conclusão de que a guerra é uma realidade difícil, principalmente se a China continuar com seus hábitos de equidade e justiça no SI, reforçando sua participação internacionalmente e prezando pelo multilateralismo (BRICS, One Belt One Road, e outros). Nesse âmbito, os EUA deveriam aceitar o fato de que a ascensão Chinesa é algo irrevogável, e, como apontado na última parte do livro, reforçar sua democracia e liberdades individuais, sem forçá-los aos outros, se comprometendo com seus ideias de mercado, fortalecendo os laços internacionais, caminhando a uma coexistência. Não a espaço para se deletar países em um mundo interconectado.

O autor ainda coloca que, a China continua alvo de grande desconfiança no Ocidente por conta de seu modelo político repressivo, e mesmo a sociedade ocidental estando em crise com seu próprio modelo – corrupção enraizada, crise econômica – a “ameaça chinesa” é uma frase que persistirá ainda pós governo Trump. Nessa esfera, a vitória chinesa seria uma derrota do paradigma Ocidental de que apenas sociedades com liberdade e justiça atingiriam total desenvolvimento. Mas, vitorioso é uma palavra que deveria ser pensada para a conquista de uma coexistência e cooperação entre ambos países e modelos, pois, não há necessidade de um choque de civilizações, sendo necessário levar-se em conta o histórico de uma sociedade que não mais se deixará invadir, um mundo independente e a não inocência ocidental. Nesse momento, o que a América Latina deve fazer, é evitar a guerra fria do século XXI se desdobrando em acordos multilaterais, modernizando e reformando a OMC e promovendo uma integração regional em vistas a fortalecer sua voz nesta nova conjuntura internacional.

Em vista disso, o título do livro é assertivo ao colocar em pauta a visão oriental sobre si e o que isso implica aos parâmetros tradicionais de análise ocidentais de relações internacionais. Aqui o Sonho Chinês é algo explicitamente chinês, onde não existe uma necessidade de levar sua visão de mundo a outros, apenas anseios de melhorar as regras do SI e da própria OMC para levar vantagem em seu próprio desenvolvimento. Além disso, a Nova Rota da Seda e o Banco dos BRICS fortificam a visão estritamente comercial da propaganda chinesa ao exterior, mas que também leva seus ideais de equidade e justiça nas relações, porém sem intervenções em problemas internos. Ademais, estabilidade é a palavra-chave chinesa, e sua aspiração a recuperação de seu poderio econômico e como civilização é algo tão enraizado na sociedade que, ao os Estados Unidos tentarem evitar o desenvolvimento deste país, tanto tecnológico, como em infraestrutura e educação, ele está sendo errôneo e perdendo a oportunidade de uma readequação do sistema internacional em que suas perdas não sejam tão severas. Ao compreender isso, se torna mais fácil evitar uma escalada de conflitos.

Desse modo, o livro não descreve apenas uma realidade momentânea, mas sim uma conjuntura firma e prospectiva, que deve ser analisada com seriedade, colocando-se em jogo o próprio conceito de China, Zhongguó, Reino do Meio, e o que isso realmente significa a uma população que passou por momentos ambíguos e à 71 anos segue planos concisos de volta regularidade histórica.

Glaucya Abdalla Scheffer*


* Estudante avançada de Relações Internacionais e Integração na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Correio eletrônico: schefferglaucya@gmail.com.