ORTEGA HEGG, Manuel; AGUDELO BUILES, Irene; MARTÍNEZ CRUZ, Jessica; SÁNCHEZ, Mario; OSORIO MERCADO, Hloreley; PÉREZ REYNOSA, Jessica; RAMÍREZ, Sergio; CASTILLO RODRÍGUEZ, Hellen; GÓMEZ, Juan Pablo. Nicaragua 2018, La Insurrección cívica de abril, Nicaragua, UCA Publicaciones, 2020, 220 pp.

O livro Nicaragua 2018, la insurrección cívica de abril é uma obra coletiva, publicada pela Universidade Centro Americana (UCA), oferecendo ao longo de seis capítulos, diversas abordagens sobre as manifestações contrárias ao governo de Daniel Ortega, que ocorreram na Nicarágua em abril de 2018 e que se estendem até hoje.

A obra é composta por uma breve apresentação e seis artigos que se dividem em: “Revueltas de abril: narrativas, redes y espacios en disputa” de Irene Agudelo Builes e Jessica Martínez Cruz; “Abril 2018, Nicaragua: el desafío de la democracia frente al autoritarismo” de Mario Sánchez e Hloreley Osorio Mercado; “Política, violencia y humanidade” de Juan Pablo Gómez; “El problema es la economía: una mirada crítica a la economía nicaragüense a propósito de la crisis de abril de 2018” de Jessica Pérez Reynosa; “Algo nuevo a nacer” de Sergio Ramírez e “Las crisis en Nicaragua: cronología de los principales sucesos” de Hellen Castillo Rodríguez.

“Revueltas de abril: narrativas, redes y espacios en disputa” de Irene Agudelo Builes e Jessica Martínez Cruz, primeiro capítulo da obra, demonstra como a mobilização estudantil se organiza após o incêndio da reserva de Indio-Maíz e aumenta após os cortes na previdência social, estopins para insatisfação que se deu principalmente através de mobilizações organizadas pelas mídias sociais, onde símbolos nacionais, personagens e lemas são alvo de disputa entre anti-sandinistas e sandinistas.

Dois dos maiores exemplos são a própria bandeira nacional, apropriada pela luta contra o governo de Ortega, a figura de Augusto Sandino e as “árboles de la vida”, símbolo intrinsicamente ligado ao governo e à vice-presidente, Rosario Murillo.

O artigo é crítico ao governo e em certo trecho ao sandinismo como um todo, que é colocado como “necrófilo”, e seu lema um convite a transformar jovens em mártires, que deem suas vidas para serem homenageados ao nomear bairros, avenidas, ruas e escolas.

“Abril 2018, Nicaragua: el desafio de la democracia frente al autoritarismo” de Mario Sánchez e Hloreley Osorio Mercado, capítulo dois do livro, aponta ao projeto de poder sandinista, que nasce com o pacto Ortega-Alemán, passa pela tomada de poder das prefeituras, o autoritarismo eleitoral e o que chamam de “apartheid político”: a cultura autoritária da Frente Sandinista de Liberatação Nacional (FSLN) e o regime político-militar estabelecido por este. Assim, os autores acusam o FSLN, usando informações em forma de gráficos e tabelas, de cooptar o legislativo e o poder local.

Contudo, este capítulo cita à embaixadora dos Estados Unidos (EUA), Laura F. Dogu, onde sua fala trata da necessidade da democracia na Nicarágua, sendo, ao nosso ver um posicionamento contraditório com o texto por conta do histórico dos EUA na região, ignorado pelo artigo, e o papel do imperialismo estadunidense e sua intervenção direta e indireta no país ao longo dos anos.

Igualmente, esse mesmo capítulo tem um enfoque, ao nosso ver, liberal ao se apresentar uma economia de mercado como sendo mais justa que a política estatal supostamente desenvolvida por Ortega, colocando a administração da FSLN como um governo de esquerda e de reformas, fato que não coincidiria com a realidade, pois seu governo aplica políticas neoliberais, sendo seu espectro político de difícil definição.

Em “Política, violencia y humanidade” de Juan Pablo Gómez, o terceiro capítulo, como seu título explicita, põe a violência como estratégia dissuasiva e assinala que a FSLN defende fazer a guerra para defender a paz. Igualmente, a Frente Sandinista é apontada como tendo práticas autoritárias, e sua militância classificada de vândalos, arruaceiros e terroristas, sem medir qualquer palavra para se tratar dos militantes do partido. Nesse sentido, o texto generaliza negativamente o tipo de militância que a FSLN tem, sem tentar distinguir a sua possível diversidade.

No capítulo “El problema es la economía: una mirada crítica a la economía nicaragüense a propósito de la crisis de abril de 2018”, de Jessica Pérez Reynosa, a autora faz uma análise sobre a economia nicaraguense, questionando as mudanças acontecidas durante o governo da FSLN. Segundo Pérez Reynosa o modelo econômico orteguista estaria esgotado, sendo um dos fatores que levaram a crise no país.

O quinto capítulo, “Algo nuevo a nacer” de Sergio Ramírez, é escrito por um ex-vice-presidente sandinista, quem esteve presente no governo revolucionário da década de 80 e hoje marca território como um ferrenho crítico do Orteguismo e o que ele acha que se tornou a Frente Sandinista.

Ramírez traz a trajetória da revolução sandinista para colocar os protestos de hoje como netos daqueles que lutavam para mudar o país, atrela a imagem de Ortega ao poder familiar que a família Somoza tinha e diz que a revolução dessa vez não será armada, mas que a sociedade nicaraguense anseia mudanças, assim como nos anos 70.

Em “Las crises en Nicaragua: cronología de los principales sucesos” de Hellen Castillo Rodríguez, o último capítulo nos traz um longo cronograma de todos os acontecimentos que levaram aos protestos de abril de 2018, desde acontecimentos políticos, econômicos, as repressões, mortes de manifestantes, levantes universitários, falas presidenciais, mobilizações populares, entre outros.

Um dos principais pontos positivos da publicação é se colocar como uma voz que se levanta contra os desmandos do “casal presidencial” e do regime familiar que a Nicarágua se tornou, soando como nos períodos somozistas. Por exemplo, nos dois primeiros capítulos, de Irene Agudelo Builes e Jessica Martinez Cruz, assim como no de Mario Sánchez e Hloreley Osorio Mercado, narram-se como o governo de Ortega tentou bloquear a comunicação via internet em locais públicos para enfraquecer a mobilização estudantil contra seu governo, e os ataques que grupos paramilitares fizeram a inúmeros manifestantes, vitimando muitos dos que saíam às ruas para pedir pelo fim do governo ou apontar seus erros no comando do país. Explica-se também que as manifestações tiveram uma origem popular e são fruto de uma insatisfação legítima, nascida de um desagrado prolongado, que antecedem 2018, contra Daniel Ortega e Rosario Murillo.

No entanto, no livro não há uma crítica de esquerda ao governo e ao que se passa na Nicarágua. Pelo contrário, percebemos uma análise liberal e dualista, sendo a realidade mais complexa, pois na obra nos é apresentada uma FSLN que é uma continuidade histórica, desde sua fundação, quando existem inúmeras diferenças entre a Frente Sandinista de sua origem, com Carlos Fonseca, e o partido de hoje, cooptado por Ortega e seus interesses. De fato, muitos ex-militantes se afastaram do partido com esse apontamento crítico e assinalam que da antiga Frente apenas permaneceram as cores, os símbolos e alguma retórica vazia, crítica essa que une várias ideologias. Deste modo, seria importante fazer uma distinção histórica sobre a FSLN e sua atuação pós-1990.

Portanto, a obra é muito relevante porque mostra os antecedentes e a complexidade da crise política da Nicarágua e o caráter popular da reclamação contra o casal presidencial e sua política de avanço contra o indígenas e a população camponesa, mas deixa de tratar de alguns pontos chaves, não tocando em algumas críticas que já são feitas há muitos anos por ex-sandinistas, como as políticas neoliberais de Ortega e o papel do imperialismo.

Jadir José Carneiro Junior*


* Bacharel em história. Mestrando em história da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e membro do Observatório Social da América Central e o Caribe (OSACC). Correio eletrônico: carneiro.jadir@gmail.com