RESEÑA/REVIEW

Slee, Tom, Uberização – A nova onda do trabalho precarizado, Bogotá, Editora Elefante, 2017, 317 pp.

O livro de Tom Slee “Uberização – A nova onda do trabalho precarizado”, chama a atenção para os efeitos, primordialmente maléficos, da chamada Economia do Compartilhamento para a classe trabalhadora.

A Economia do Compartilhamento, atualmente, é o conjunto de ideais que reúne companhias que utilizam a Internet para conectar clientes com prestadores de serviços. Esses serviços podem ser: transporte, aluguel de propriedades, serviços domésticos, aulas particulares, etc. A proposta é que haja a combinação de um novo tipo de negócio e um movimento social. Tom Slee descreve a Economia de oompartilhamento, em sua definição inicial, como uma relação amistosa entre comércio e causa que apela à natureza política e social.

As atividades iniciais da Economia do Compartilhamento eram simples trocas informais - viagens para um amigo, ferramentas de empréstimo ou recados, onde cada troca resulta em economia ou ganho de dinheiro ou de tempo para os atores envolvidos. Desse modo as pessoas criariam verdadeiras redes de confiança, aliando-se umas nas outras e não mais dependeriam de empresas distantes e grandes corporações.

Na primeira parte do livro, Tom Slee discorre sobre as duas visões concorrentes da economia do compartilhamento. De um lado a visão comunitária e cooperativa pautada em intercâmbios pessoais de pequena escala, que ele caracteriza como “o que é meu é seu”. Do outro, a visão mais perturbadora, em que as empresas com ambições globais e bilhões de dólares para gastar “pegam carona” na visão comunitária e cooperativa para se inserir no mercado e gerar verdadeiras fortunas através de processos não convencionais de comércio e de trabalho. Essa segunda visão explora as novas tecnologias, recruta trabalhadores, adquire as empresas concorrentes para dominar o mercado e interfere, inclusive, na esfera política para se firmar e ter sucesso. O autor caracteriza essa visão como “o que é seu é meu”.

O autor dedica um capítulo ao Airbnb e outro ao Uber, reconhecendo que essas empresas são os expoentes da Economia de Compartilhamento, valendo-se da ressalva, no entanto, que essas companhias estão envolvidas em controvérsias e que os negócios reais não condizem com a imagem de economia do compartilhamento que criaram.

O Airbnb causou impactos destrutivos em muitas cidades onde opera, especialmente nos destinos turísticos mais populares. Sua a presença exponencial em muitas cidades causou booms imobiliários, compra massiva de imóveis por investidores, elevando o aluguel de apartamentos a níveis exorbitantes e forçando muitos inquilinos regulares a se mudarem. O Airbnb deixou de alugar um quarto para alugar uma casa inteira e, em alguns casos, para alugar bairros inteiros e se tornou um grande negócio, resultando em menos propriedades disponíveis em mercados já escassos e elevando ainda mais os preços para residências disponíveis. O resultado foi uma erosão da qualidade de vida e centros turísticos modernos com evasão de cidadãos locais.

A empresa Uber também passou por uma expansão global, mas no processo tornou-se um adversário controverso para os governos locais. A Uber, juntamente com muitas outras plataformas on-line, contorna os regulamentos de segurança, salários mínimos, leis de discriminação e garantia de qualidade. Muitas empresas, como Airbnb e Uber, argumentam que as regulamentações governamentais não devem ser aplicadas a elas porque elas apenas relacionam os clientes com os prestadores de serviços e não operam nas atividades desses prestadores. Os problemas de satisfação e responsabilidade do cliente estão entre o fornecedor e o cliente, sendo o facilitador on-line apenas estabelecendo a conexão e cobrando uma taxa considerável por cada transação.

Empresas de serviços pessoais e domésticos, como Taskrabbit e Homejoy, também são analisadas. Slee argumenta que eles se transformaram em uma economia de concierge em que “os servos entregam coisas para as pessoas ricas, e onde um grupo demográfico emergente de consumidores cada vez mais qualificados exige uma experiência hermética e sem atritos em nome de compartilhamento”.

Com base em sua extensa pesquisa empírica Slee acredita que a linguagem amigável de compartilhamento, confiança e comunidade mascara uma realidade mais sombria. As empresas da economia compartilhada têm se esforçado para alcançar um modelo de negócios sustentável. Seu sucesso foi impulsionado por sua capacidade de empurrar os custos e riscos para seus funcionários (ou contratados, conforme eles os definem) e para os bairros e cidades onde operam.

Essa nova onda de empresas de tecnologia está sendo financiada por capitalistas de risco, produzindo uma forma mais dura de capitalismo: desregulamentação, novas formas de consumismo qualificado e acordos de trabalho precários.

Slee sugere que as pessoas que realmente desejam criar uma “economia compartilhada” precisam reavaliar a ideia de que existe uma correção tecnológica simples, o que alguns chamam de “solucionismo” para todos os problemas da vida. Essa noção é endêmica entre aqueles no Vale do Silício que promovem a Economia do Compartilhamento, especialmente os jovens que se identificam fortemente com as tecnologias que usam.

Slee escreveu este livro por causa de um sentimento de traição; ele apoiou a agenda inicial da economia compartilhada - igualdade, sustentabilidade e comunidade. Ele acredita que a ingenuidade dos CEOs de 26 anos e a arrogância de seus consultores de capital de risco estão minando esses ideais na busca de fortunas pessoais, destruindo comunidades reais e incentivando uma forma mais autorizada de consumismo.

Ele termina alertando para a necessidade de prestar mais atenção às lições dos movimentos anteriores de colaboração e cooperação. Em suas palavras, “o que começou como um apelo à comunidade, às conexões pessoais, à sustentabilidade e ao compartilhamento tornou-se o cenário de bilionários, Wall Street e capitalistas de risco”.

O título do livro em língua portuguesa é uma escolha da editora que tem os direitos de publicação no Brasil, e se deve à atenção que está sendo dispensada ao tema após o início das operações da Uber nas maiores cidades do Brasil. O termo uberização vem sendo utilizado para caracterizar a forma de trabalho na qual os trabalhadores são considerados autônomos informais, que têm liberdade para trabalhar e definir a composição da sua jornada de trabalho (ao menos em teoria), que não necessitam de subordinação, que realizam as atividades de prestação de serviços de transporte, venda de produtos cosméticos, venda de cursos e de aulas, entre outras, no tempo em que elas são requisitadas pelos clientes e que utilizam ferramentas da tecnologia para se conectar com consumidores.

O livro, portanto, é uma importante fonte de reflexões sobre as relações sociais e de trabalho na era das plataformas digitais.

Andriele Ap. do Nascimento Arnaud S. da Silva*


* Pós-graduanda do Curso de Especialização em Relações internacionais Contemporâneas da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Correio eletrônico: andrielearnaud@yahoo.com